quarta-feira, 24 de junho de 2020

Da Gravidez... - VIII (ou de como é estar grávida em tempos de Covid-19...)

Por muitas e variadas razões, esta gravidez está a ser tremendamente diferente daquilo que eu tinha idealizado. Mas a culpa foi minha que idealizei o que quer que fosse. Já devia saber que não valia a pena!...

A Covid-19 não veio ajudar, obviamente.

Se, por um lado, provocou um acréscimo de ansiedade - mais uma variável que não controlamos, numa fase em que já há tanta coisa que não controlamos, por outro lado, veio obrigar a uma série de adaptações a uma nova realidade.

Eu vim para casa no dia 4 de Março. A minha obstetra, pessoa sensata, quis pôr-me logo de baixa, porque, prevendo o que aí vinha, não me queria a andar de transportes e a trabalhar em pleno Chiado. Eu, pessoa igualmente sensata, achei que daria em louca se entrasse de baixa tão cedo, e combinei com a minha entidade patronal que iria para casa, sim, mas que ficaria em teletrabalho até ser possível. Duas semanas depois, o país seguia o meu exemplo e entrávamos em estado de emergência... Copiões!

Eu passei estes últimos quase 4 meses em isolamento e confinamento. E não, nunca me passou pela cabeça que a minha gravidez pudesse ser assim!...

Acho que, lamentavelmente, isto condicionou muito a minha experiência da gravidez. O isolamento, o não ter as minhas pessoas à minha volta, o stress e a ansiedade que cada ida à rua provocavam... Nada disto ajudou a que a minha experiência fosse muito positiva. Eu não me senti particularmente bonita, porque também não me arranjava particularmente, para passar os dias fechada em casa. Eu não tive aquela sensação de ser particularmente acarinhada ou mimada pelas pessoas à minha volta, porque não havia pessoas à minha volta (fisicamente, vá). Eu não me senti resplandecente, a exibir a minha barriga por aí, porque 90% das vezes que saí de casa, foi para ir ao médico.

Eu não andei a passear, a fazer as minhas caminhadas, a combinar almoços e jantares com família e amigos, nas compras a preparar tudo para a chegada da bebé... Não andei a fazer tudo aquilo que tinha pensado, e que achei que poderia fazer para gozar o final da gravidez como ele merece ser gozado.

A juntar a tudo isto, a realidade que algumas grávidas e mães sofreram ainda mais do que eu (se tiveram os bebés nos primeiros tempos de pandemia): o Pai foi excluído do processo, a determinada altura. Ele deixou de poder acompanhar os exames e as consultas. E isto foi estranho. Tive a sensatez de escolher para ter ao meu lado alguém que sempre quis fazer parte do processo, que sempre quis ir às consultas, aos exames, que sempre quis estar tão informado como eu. Mas quis a Covid-19 que isso lhe fosse negado, a partir de meados de Março. E, ainda que compreensível, é triste.

Por último, a Covid-19 condicionou o acompanhamento e a escolha do sítio onde a nossa filha vai nascer. Já por aqui defendi diversas vezes o SNS, e desde o início que disse que queria que o parto fosse num hospital público. Porque acredito que o SNS tem um excelente serviço, tem excelentes profissionais, e é para lá que devemos ir, sempre que precisamos ou em caso de urgência. Lamentavelmente, em determinadas especialidades, e no caso específico da pandemia que estamos a viver, a resposta do SNS não é a mais satisfatória. E sim, a nossa filha vai nascer num hospital privado, contra tudo o que que queria, contra tudo aquilo em que eu acredito, contra tudo o que eu defendo. E porquê? Porque o SNS continua a excluir o Pai do processo. As coisas vão mudando, semana a semana, mas a maioria dos hospitais públicos ainda não deixa o Pai assistir ao parto, e os que deixam é por períodos muito limitados de tempo. A maioria, não permite que o Pai volte a visitar a mãe e o bebé, após o nascimento. Mãe e bebé ficam sós, até ao momento da alta. E, desculpem, mas isto não me faz qualquer sentido. Com Covid ou sem Covid, eu acho que este é um momento que deve ser vivido a três, e acho que o Pai tem de lá estar. Comigo, com a nossa filha, a cumprir o seu papel, que é tão importante como o meu. Percebo (em parte) as limitações impostas pelo SNS, percebo que se resguardem profissionais de saúde e pacientes, e percebo que se queiram minimizar os riscos. Mas, em tendo outra opção, eu opto por não me sujeitar a algo que não me faz sentido. Não foi uma decisão fácil, foi uma decisão muito ponderada, tomada a dois, mas que representa aquilo que, para nós, faz sentido, e que achamos que é o melhor para nós, e para a nossa filha.

Acho que esta pandemia nos vai deixar marcas a todos, miúdos e graúdos, e que está a ter um impacto muito maior do que imaginamos no que somos e no nosso bem-estar. A médio prazo, veremos... Para já, sei que teremos muitas histórias para contar à nossa filha, sobre como foi estar grávida dela e vê-la nascer, numa altura tão particular como esta!

6 comentários:

  1. Eish, essa dos hospitais publicos não faz sentido nenhum... Acho que fizeste muito bem, esses dias são super importantes. Estás de quantas semanas? Já andas a fazer CTG, deve estar quase quase.

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    1. Acho que, entretanto, já não vale a pena responder à tua pergunta! Ahahah :)

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  2. Sim, o facto de teres atravessado estes importantes meses em plena pandemia, não ajudou nada à causa. Mas foi o que foi e vão mitigar o problema porque, ao contrário de práticas mais antigas e que de certa maneira continuam a marginalizar o pai no processo, só faz sentido em casal pelas razões mais óbvias.
    Acho que fazem muito bem pois há coisas irrepetíveis na vida.
    Força e felicidades!
    Beijinhos à mãe e filha, abraço ao pai :)

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    1. Sim, todos tivemos de nos adaptar a esta fase estranha que vivemos. Felizmente, foi possível encontrar uma alternativa e correu tudo bem :)

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  3. Percebo bem o teu desencanto por não teres cumprido uma série de etapas que esta pandemia te veio negar.

    Quer se queira ou não, há uma série de rituais que nos vão levando ao culminar que será, obviamente o nascimento.

    Mas "o mais importante é manterem-se saudáveis", podes sempre usar este truque.

    Penso ter ido a todas as consultas e exames que foram feitos e por vários motivos até foram alguns a mais que o habitual, se para mim foi muito bom e gratificante penso também ter ajudado alguma coisa a futura mãe.

    É realmente uma pena, para ti, para ele.

    Mas neste caso até percebo mas é sempre menos um passo, menos uns momentos mas é respirar fundo e perceber que não é um sprint mas uma maratona (lá está a alusão desportiva).

    Tivemos o pirralho cá de casa na Estefânia e apenas não me foi possível pernoitar com ela nos internamentos que aconteceram, de resto e até meio do parto pude estar sempre com ela.

    Depois progrediu de parto natural para cesariana e aí fui convidado a desaparecer dali, literalmente.

    Pude ver o pirralho, não a mãe, pouco depois de nascer.

    Mas, neste caso, até acho compreensível pois ela até estaria a recuperar da cirurgia.

    Mesmo na altura a possibilidade de assistir variava muito de hospital para hospital.

    Não percebo este continuar de recusar evoluir neste ponto tão significativo da vida de um casal, de uma família que se cria, amplia, nesse exacto momento.

    Só um aparte que não perguntaste mas eu conto na mesma, fizemos atempadamente seguro de saúde a pensar no privado, escolhemos a obstetra no privado, que depois até nos encaminhou para a Estefânia (era directora da maternidade lá) para depois não ser ela a fazer o parto pois estava de baixa médica que começou no dia do internamento futura mãe ( isto daria um sketch dos Monthy Python, digo eu agora :))

    Por isso acho bem que aproveitem todas as possibilidades e momentos ;)

    Beijinhos e mantenham-se saudáveis e felizes.

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    1. Acho que todas as gravidezes que apanham esta altura, terão histórias para contar!

      Felizmente, as coisas já estavam muito diferentes nos tempos que corriam, e os pais já podem ser parte muito mais activa do processo. Infelizmente, houve agora este retrocesso...

      Eu percebo algumas coisas, e sou suficientemente racional ao ponto de conseguir separar as prioridades, mas há coisas que parecem meio desnecessárias e que fazem tanta diferença na nova família que se está a formar!...

      Essa é boa! Nós escolhemos esta obstetra sabendo que, indo para o público, o parto não seria com ela. Mas também sabíamos que se escolhessemos em função disso, podia acontecer o que vos aconteceu :)

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