sábado, 27 de fevereiro de 2021

Dos 8 meses da Isabel...

Oito meses de Isabel.

Dois terços de um ano. Que voaram. Ela está cada vez mais pessoinha. Um bebé, mas pessoinha. Já tem 3 dentes, 2 em baixo e 1 em cima, completamente desalinhado dos outros, o que lhe dá um ar particularmente delicioso. Continua a comer lindamente. Adora manga, abacaxi e kiwi. Mas também descobriu que adora brócolos. Também continua apaixonada pelo gato, e já lhe arrancou umas boas doses de pêlo. Ele, por sua vez, continua a ignorá-la. Fala, fala, fala. E bem alto. E continua a rir-se. Muito. Até a comer, ela se ri muito. Aliás, se há momento em que é evidente que ela é feliz, é quando come. Ou quando o pai lhe faz tropelias e ela dá as maiores gargalhadas. É preguiçosa e está longe de começar a gatinhar. Sai ao pai e já tem uma obsessão por comandos. Dormiu a primeira noite toda seguida. Mas foi, claramente, por engano. Tivemos direito a umas noites a acordar a cada hora ou a cada meia hora. Maravilhoso, portanto. Descobriu as sestas de 20 minutos. Desconfio que esteja farta de estar em casa a aturar-me todo o santo dia. Continua a gostar das nossas caminhadas e faz as suas sestas na Ergobaby. Adora o elefante de peluche que recebeu de presente da empresa do pai e ri-se perdidamente só de o ver. Está extremamente sensível a barulhos estranhos e atira-se para trás a chorar quando isso acontece. Já se magoou, claro. Começa a mostrar os primeiros sinais de vontade própria. Gosta de abanar as maracas e ouvir o seu barulho. Deixou a shantala e começou a tomar banho numa banheira maior. Chorou muito nos primeiros dias, mas já percebeu que tem mais água e espaço para chapinhar. Olha deslumbrada para o mundo e já quer ver e mexer em tudo. Continua bochechuda, mas está a ficar mais comprida. É bem disposta e ri-se muito para as raras pessoas com quem se cruza. Berra desalmadamente quando entende que não quer dormir. Mesmo que sejam duas da manhã. Continua a chuchar no dedo e a recusar a chupeta. Eu sou suspeita, mas acho que está cada dia mais bonita. E eu, cada dia mais derretida.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Do parto da Isabel...

O parto da Isabel não foi nada do que eu queria, sonhara ou idealizara. Em parte, já sabia que assim seria, desde que ficou decidido que seria cesariana. Mas, ainda assim, foi muito diferente do que esperava.

Não consigo dizer que foi o momento mais bonito da minha vida. Se bem que também não consigo dizer qual foi o momento mais bonito da minha vida. O problema está em mim, certamente. 

Quando penso no nascimento de um bebé, no acto de trazer um novo ser humano a este mundo, penso em algo muito carnal, muito animal, muito natural. Penso no regresso aos nossos instintos mais básicos e ao que faz de nós aquilo que somos. Penso na vida a gerar vida. Penso no milagre da natureza. 

Ora, numa cesariana não há nada disso. Uma cesariana é um procedimento cirúrgico. Numa cesariana não há nada de animal, de instinto, de vida a gerar vida. Numa cesariana há alguém inerte deitado numa mesa de operações, há muitos e variados profissionais de saúde em redor, há uma barriga que é cortada e de onde é extraído, contra a sua vontade, um pequeno ser. Não consigo ver grande beleza nisto. O problema está em mim, certamente. 

Achei o procedimento frio. Senti-me meio perdida naquele bloco operatório, até o Pai se ter juntado a mim. Foram minutos que pareceram horas. Tive medo. Senti-me ansiosa. Achei que tudo podia correr mal. Senti-me impotente e inútil, incapaz de trazer a minha filha ao mundo. 

Foi estranho sentir tudo. Sentir o frio do desinfectante a ser esfregado na minha barriga. Não senti o corte, mas senti a pele a ser afastada, a barriga como que esventrada, os movimentos dentro de mim, tudo demasiado real. Sem dor, mas sentindo perfeitamente o que se passava. Foi rápido. Muito rápido. 

Em poucos minutos, o choro da nossa filha. Da nossa Isabel. Nesse momento, já tinham baixado o campo cirúrgico e o Pai pode vê-la vir ao mundo. Eu, só podia ouvi-la. E que bem que ela se fez ouvir! Guardo na memória aqueles primeiros gritos. Vi, depois, as primeiras imagens que o Pai fez questão de captar. A nossa filha no mundo, gritando desalmadamente, mostrando a garra que traz consigo.

Quando ma mostraram, não pude não chorar. No meio de toda aquela estranheza, as lágrimas caíram, ao ver a nossa filha pela primeira vez. Era real. Ela estava ali, junto a nós, a iniciar a sua longa jornada, nesta viagem que é a vida. E nós, ali, a iniciar a nossa longa jornada, nesta viagem que é a parentalidade. 

Senti-me assoberbada por tudo. Custou-me não poder reagir, não lhe poder pegar, mal a conseguir ver. Parecia tudo demasiado surreal e eu continuava a sentir-me mais num procedimento cirúrgico do que naquele que se queria que fosse o momento mais bonito da minha vida. 

Eventualmente, levaram-na. E ele foi com ela. E eu fiquei ali, sozinha e perdida, no meio de estranhos, a ser suturada. Acho que só quando cheguei ao recobro e os reencontrei aos dois, é que respirei de alívio e me caiu a ficha. Só quando ficámos ali os três, em namoro completo, com ela junto a mim, comigo a querer examinar cada centímetro do corpo dela mas sem me conseguir mexer, é que eu percebi o que estava a acontecer. 

Eventualmente, ficámos só as duas. A conhecer-nos. A reconhecer-nos. A cheirarmo-nos mutuamente. A ver ao vivo o que imaginámos durante meses a fio. Não sei quanto a ela, mas eu, o que senti, é que era tudo infinitamente melhor do que eu poderia ter imaginado. 

O parto da Isabel não foi uma experiência bonita, ou memorável, ou o melhor momento da minha vida. Mas o que é que isso importa, com tudo o que virá depois?... 



[Texto escrito a 9 de Julho, duas semanas depois de a Isabel nascer. Não o publiquei na altura, por ter sido escrito a quente. Mas, hoje, o sentimento não melhorou. Sobretudo, porque tenho agora a certeza de que fui sujeita a uma cesariana desnecessariamente. Talvez um dia eu ultrapasse isto. Talvez eu tenha outro filho e o parto que idealizei. Ou talvez não. Mas teremos sempre a terapia, não é verdade? Foquemo-nos na última frase e em tudo o que já veio e o que ainda está para vir.]

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