domingo, 29 de abril de 2018

Das coisas que me cansam...

A vida. A vida cansa-me.

E a morte. A puta da morte. A morte que não pára. Tenho-me lembrado muito do Saramago e das suas Intermitências da Morte. Pudesse eu escolher, e a Morte teria estado intermitente nestes últimos dias. "No dia seguinte ninguém morreu." E ninguém morria. Ou, em não podendo ser assim, nenhuma das minhas pessoas morria. Já era suficiente.

A semana passada, no dia seguinte ao funeral da minha mãe, enquanto eu apanhava e dobrava meias, ainda de robe e sem ter tomado banho, numa cena completamente banal, dei comigo a pensar que da última vez que tinha tido uma viagem marcada a Madrid, a vida me tinha trocado as voltas e eu tinha acabado por não ir. Estava eu nestes pensamentos, a pensar que desta é que era, desta eu ia mesmo, quando o telefone toca. Era o meu pai. Do outro lado, a má notícia. Quando eu achava que não aguentava mais más notícias, a vida achou o contrário.

A mãe da minha boadrasta, a minha avó-emprestada, aquela que entrou na minha vida há quase 18 anos, tinha tido um AVC. Eu não me lembro ao certo mas acho que me sentei e fiquei sem reacção. Desliguei o telefone e fiquei muito tempo sem saber o que fazer. Vesti-me para ir correr. Tinha uma maratona daí a 3 dias, já tinha falhado o treino da véspera por causa do funeral da minha mãe e achei que me fazia bem ir espairecer. O meu irmão ligou-me a perguntar se queria ir com ele para Abrantes para o hospital. Eu disse-lhe que ia correr, que ia lá ter mais tarde. Saí de casa, entrei no carro, liguei a quem me pudesse dar alguma da razão que eu não tinha naquele momento, e percebi que ir correr era estúpido. Só estúpido. Naquele momento, eu não sabia se ia a Madrid. Naquele momento, eu não sabia nada. Naquele momento, eu senti-me perdida e desorientada como em poucas vezes na minha vida. Voltei para casa, tomei banho e esperei pelo meu irmão. Fomos para Abrantes.

E em Abrantes eu soube que a minha avó-emprestada não ia voltar para nós. A avó-emprestada que sempre foi avó por inteiro. Que não fazia distinções entre os 5 netos. Os de sangue e os de coração. Éramos todos netos. Éramos todos iguais. O que dava a um, dava a todos. Na sua simplicidade, na sua humildade. Na sua forma tão própria de ser, com as suas caretas, com a sua refilice, com a sua dificuldade em demonstrar afectos (algo que é transversal a toda esta família, diga-se). 

Em Abrantes eu despedi-me dela. Despedi-me sabendo que podia não a voltar a ver. Despedi-me sem conseguir decidir se ia a Madrid. Despedi-me de coração apertado e frustrada com a impotência perante esta arbitrariedade da vida. E da morte. Sobretudo, da morte.

Fui para Madrid. Fui para Madrid sabendo que podia ter de voltar a qualquer momento. Mas fui para Madrid porque sei que era o que ela quereria. Fui para Madrid, levando-a a ela e a toda a família comigo. Fui para Madrid por mim e por nós.

E voltei. Voltei para assistir aos últimos dias de um definhar lento. Um definhar irreversível. Um limbo terrível de sentimentos contraditórios e desesperantes. A dificuldade em aceitar o fim, sentindo simultaneamente que o fim era o melhor porque esse limbo era um sufoco para ela e para quem estava à volta. Esse limbo terminou ontem.

O funeral foi hoje. E não. Não é por irmos a dois funerais em duas semanas que as coisas ficam mais fáceis. Sobretudo, quando ainda não parámos para chorar o primeiro. Sobretudo, quando temos andado a fugir de processar tudo o que aconteceu. Sobretudo, quando perdemos alguém de quem gostamos tanto sem que fosse preciso existirem laços de sangue a unir-nos, por oposição a termos perdido alguém que nos deu o sangue que nos corre nas veias mas que pouco ou nada nos diz. Esta contradição, estes opostos, estes sentimentos confusos, esta raiva perante a injustiça, este não saber o que sentir, dizer ou fazer.

Se eu pudesse escolher, a escolha era fácil.

"No dia seguinte ninguém morreu."

sábado, 21 de abril de 2018

Do meu estado actual...

No aeroporto. À espera para embarcar.

O post anterior, agendado como todos os outros desta série e o último da mesma, faz agora um sentido tremendo.

Os sentimentos em relação a esta viagem são muito contraditórios. A vontade de ir é pouca. O sentido de obrigação de que devia ficar é enorme. A semana não ficou pelo que aqui já relatei e estive até à última da hora a decidir de ia ou não para Madrid.

Mas vou. Vou, sabendo que a qualquer momento posso ter de voltar para Lisboa. Mas vou. Vou porque, de facto, preciso mesmo de fazer isto. Por mim. E não só.

Do que aí vem... - T-Minus 1


quarta-feira, 18 de abril de 2018

Do post que eu pensei que só escreveria daqui a uns anos...

A minha mãe morreu. A minha mãe, com quem eu não falava há quase sete anos, morreu.

Soube na segunda-feira. Estava no escritório, à hora de almoço. O telemóvel tocou e eu estranhei ver o nome da minha (meia) irmã. Do outro lado, estava a minha prima, para me dar a notícia. Não consegui reagir, não consegui processar. Passei algum trabalho mais urgente, ainda consegui garantir que ficava online a campanha que estava a preparar, e fui para casa.

E continuei sem conseguir reagir, sem conseguir processar.

Ontem, comecei a reagir e a processar. Mas pouco.

Poucas ou nenhumas pessoas poderão perceber o que leva alguém a estar sete anos sem falar com a pessoa que lhe deu vida. Talvez quem por aqui ande há mais tempo, já tenho lido algumas tentativas de explicar tal decisão. Mas não é fácil. Porque não é uma decisão fácil. Porque não é uma decisão de um momento, tomada de ânimo leve. Foram anos, muitos anos, que levaram a que eu deixasse de falar com a minha mãe e a afastasse por completo da minha vida. 

Achava eu, na minha ingenuidade ou na minha ignorância, que estava tranquila com essa decisão.

Agora, que ela morreu, não sei se estava assim tão tranquila. Agora, que ela morreu, também já não importa. Agora, que ela morreu, já não há nada a fazer.

Sempre acreditei que tinha feito o que podia, que tinha tentado, que tinha dado muitas e variadas oportunidades. Hoje, foram várias as pessoas que mo disseram: que foi ela que escolheu assim. Não sei se acredito que alguém escolha a solidão. Não sei se acredito que alguém escolha morrer sozinha. Mas parece que há quem acredite que sim.

Eu não sei. Sei que passei os dois últimos dias a questionar-me se, de facto, fiz tudo o que podia. Se, de facto, não devia ter dado mais uma oportunidade. Se, de facto, não a devíamos ter ajudado. Uma e outra vez.

Desde que me lembro que defendo que a frase feita que diz que "mãe é mãe", não é tão verdade assim. Porque não é. Há por aqui muitos textos a falar disso mesmo. Mãe não é mãe. Mãe é mãe se se comportar como mãe. Se fizer por isso. E a minha não fez. E agora? Agora nunca saberei se não o fez por não querer, se não o fez por não saber, se não o fez por não conseguir.

Hoje, enquanto via o caixão ser levado por entre as portas do crematório naquilo que considero sempre ser um momento terrivelmente pesado, todas estas dúvidas me assaltaram. Hoje, enquanto, finalmente, percebia que nunca mais a vou ver, caí em mim e não pude deixar de me questionar.

Eu sempre soube que este dia ia chegar. Eu sempre soube que, um dia, ia ter estas dúvidas. Porque, repito, não é uma decisão fácil. E, não há muito tempo, eu tinha dado comigo a pensar sobre isto tudo. E a sentir que tinha tomado a decisão certa.

Hoje, as coisas estão incertas. Hoje, as dúvidas são muitas. Hoje, questiono aquilo em que acreditei nos últimos sete anos. Questiono-me a mim. Recrimino-me. Hoje, tento acreditar naquilo que me repetiram hoje, vezes sem conta: foi melhor assim, ela está, finalmente, em paz, e nós podemos também ficar em paz. O que quer que isso seja.

Amanhã as coisas estarão ainda confusas. Mas sei que, com o tempo, se tornarão mais claras. Com o tempo, voltará a mim a lucidez que me fez tomar essa decisão há sete anos atrás. Com o tempo, talvez eu consiga lidar com isto. Ou talvez não. Talvez eu viva o resto da vida com este peso na consciência.



[os comentários estão desactivados por razões óbvias. este é um texto de mim para mim. apenas e só. porque precisava de pôr por escrito aquilo que não consigo dizer. porque é para isto que este blogue serve, mesmo que, por vezes, não pareça.]

Do que aí vem... - T-Minus 4


sábado, 14 de abril de 2018

Do meu estado actual...

No cabeleireiro.

Andava desde o início do ano a dizer que precisava de cortar o cabelo.

Esta semana, decidi que não dava para adiar mais. Corria o risco de ir para a maratona irritar-me com o dito, porque está demasiado comprido e o rabo de cavalo já abana demasiado e bate-me no pescoço. Parece um pormenor. Parece tonto vir a correr cortar o cabelo por causa da maratona. Mas acho que foi o incentivo que faltava para me obrigar a parar e cuidar de mim.

Aproveitei e arranjei as unhas. Não posso ter as unhas por arranjar quando quiser segurar na medalha para as fotos, certo?

Sim. É possível aliar a maratona à futilidade. E ser feliz com isso!

Do que aí vem... - T-Minus 8


sexta-feira, 13 de abril de 2018

Das coisas que me preocupam...

Uma das coisas que me tem passado pela cabeça diversas vezes e que, de certa forma, me preocupa no que ao dia M diz respeito é a solidão.

Sim. A solidão.

Nas provas que faço habitualmente, salvo raras excepções (normalmente, em trails no meio de lado nenhum), há sempre muitas e variadas caras já conhecidas. Vou sempre acompanhada, vai sempre gente do grupo do meu ex-subúrbio, vai sempre gente da equipa pela qual já corri, vai sempre gente deste mundo da blogoesfera, vai sempre gente que fui conhecendo das mais diversas formas. Há sempre, sempre caras conhecidas.

Trocam-se palavras de ânimo e incentivo antes da prova, partilham-se os momentos de nervosismo antes do arranque e, sobretudo, ao longo do percurso e quando há retornos, há sempre um olhar que procura ver quem vem em sentido contrário, para gritar um "força", para acenar e sorrir, para um high-five. E isto, senhores, isto tem um peso inimaginável! Já houve muitas provas em que o simples facto de me cruzar com uma cara conhecida, me deu ânimo para continuar, para não desistir, para ir buscar energias onde julgava já não as ter.

E em Madrid eu não vou ter isso. Em Madrid vamos ser apenas eu e ele. 

E isso assusta-me. Porque é verdadeiramente confortável a ideia de ver caras conhecidas, de partilhar as alegrias e os sofrimentos, do sentimento de união que se cria nas provas de corrida quando as partilhamos com os nossos. Do saber que não estamos sozinhos.

E em Madrid eu não vou ter isso.

Eu sei. Vou ter os loucos dos espanhóis a fazer a festa toda. Vou ter os corredores que estiverem ao meu lado a sofrer o mesmo do que eu. Vou ter muito boa gente a torcer por mim aqui.

Mas não é a mesma coisa. Não é mesmo. E eu, que nas horas vagas tenho um part-time como drama queen, que sei que não sou tão forte psicologicamente como gostaria de ser, que sei por experiência própria que a mínima quebra mental pode arruinar por completo uma prova, eu tenho receio da forma como vou lidar com essa solidão, quando me vir sozinha com os meus pensamentos durante aqueles quarenta e dois quilómetros e cento e noventa e cinco metros (isto escrito por extenso é muito mais dramático!).

Será que é mesmo possível sentir-me sozinha no meio de milhares e milhares de pessoas? Logo vos conto!


Do que aí vem... - T-Minus 9


quinta-feira, 12 de abril de 2018

Das coisas sobre as quais já aqui falei algumas vezes e às quais não sei o que chamar, pelo que podem chamar-lhes o que quiserem...

O post desta manhã, agendado de forma aleatória como todos os demais que ainda estão por vir, acabou por ter um duplo significado, curiosamente.

Porque, de facto, a vida (como a maratona) pode ser difícil, desafiante, com obstáculos, mas, se acreditarmos em nós e lutarmos pelo que queremos, podemos ter boas surpresas no final.

O meu dia hoje começou cedo. Muito cedo. E começou com um desses desafios com que nos deparamos na perseguição dos nossos sonhos e daquilo que queremos para nós. Se as coisas vão correr bem? Não sei. Mas sei que fiz o que estava ao meu alcance por isso. Agora é esperar. Talvez daqui a uns tempos possa dizer mais sobre o tema e isto faça mais sentido.

Hoje, resta-me reforçar a mensagem: "believe in your dreams and never give up".

Do que aí vem... - T-Minus 10


quarta-feira, 11 de abril de 2018

Do que aí vem... - T-Minus 11

Os dias passam a correr. Já estamos em Abril. Quase, quase no dia M. Ainda não me caiu bem a ficha, acho.

Nos próximos dias, este blogue vai ser o meu mural motivacional e inspiracional. Se não estiverem para isso, voltem daqui a duas semanas. Ou três. Que, independentemente de como corra, isto há-de dar pano para mangas.


Comecemos com um vídeo sobre as 8 fases da Maratona.



segunda-feira, 2 de abril de 2018

Das minhas noites...

Esta manhã acordei sobressaltada. Estava a ter (mais) um pesadelo com uma das duas consultas que tenho esta semana. Acordei sem saber que horas eram e em que dia era a dita consulta. O telemóvel estava morto. Pelos vistos, não carregou durante a noite. Fiquei ainda mais aflita e, às escuras e às apalpadelas, corri para a casa-de-banho para ver as horas. Cheguei à casa-de-banho e fiquei a olhar para o relógio sem me lembrar se o relógio já tinha a hora nova ou ainda a antiga. Voltei para a cama e, sem querer, acabei por acordar o aniversariante do dia, que me disse que eram sete horas. E eu respirei de alívio.

Foi o segundo pesadelo da noite. O primeiro foi relacionado com o trabalho.

Curiosamente, ou não, ainda não me deu para ter pesadelos com o dia M.

No fim de contas, a consulta é só amanhã. E eu tento não pensar demasiado nisso que hoje é dia de festa e vamos jantar a um sítio ma-ra-vi-lho-so.

Os devaneios Agridoces mais lidos nos últimos tempos...