quarta-feira, 31 de julho de 2019

Do Limestone Ultra Trail e das mulheres nas corridas...



Quando escrevi o post anterior, foquei-me no facto de ter ficado em último lugar da prova. Foi uma opção minha.

Podia ter-me focado no facto de ter ficado em 10º lugar das mulheres. E seria uma opção igualmente válida, porque é verdade.

Talvez nos meus tempos áureos, em que cheguei a ficar em 4º e 5º lugar do meu escalão, eu já tenha ficado assim tão bem classificada na geral feminina. Não faço ideia, porque nunca liguei muito a isso.

O certo é que ter ficado em 10º lugar nesta prova não é, exactamente, motivo de festa. Não só pela constatação óbvia de que eu fiquei em 10º porque não havia mais mulheres, mas também pela constatação óbvia de que eu fiquei em 10º porque não havia mais mulheres. E eu não deixo de me perguntar: por que raio não havia mais mulheres? É que ficar em 10º porque não havia mais mulheres é só triste.

A prova teve um total de 73 finishers, e apenas 10 eram mulheres. Como? Porquê? As mulheres deste país (e de outros, que também são bem-vindas) já foram todas de férias? Estava tudo na praia? Não, não estava. Porque na prova dos 16km os finishers foram 141, e 42 eram mulheres! A diferença é abismal...

Eu já aqui falei sobre isto, a propósito da Maratona da Europa, e é mesmo algo que me intriga, por um lado, e me preocupa, por outro.

Gostava mesmo de ver mais mulheres a correr. E a correr distâncias mais longas! Claro que ninguém é obrigado a nada só porque agora eu acho que isso é giro (tinha a sua graça... mas não!). Mas, de facto, gostava de saber se há alguma coisa que se possa fazer em relação a isso. Será que as organizações podem fazer mais por isso? Será que grupos como o Women Runners Portugal (do qual já aqui falei) podem ajudar? Será que as mulheres não correm mais porque não querem mesmo ou porque lhes faltam condições para isso?

Vou continuar a pensar sobre o assunto...

domingo, 28 de julho de 2019

Do Limestone Ultra Trail - Trilhos do Cársico...

Comecemos pelo fim: fiquei em último lugar. Pela primeira vez na vida, fui a última atleta numa prova. E se isso não tem nada de extraordinário (estamos a falar de uma pequena lontra que não treina, não é verdade?), o extraordinário, para mim, foi a forma como lidei com isso. É que até eu fiquei surpreendida!

Estávamos com pouco mais de um 1km de prova quando eu fui ultrapassada pelos últimos atletas. Claro que eu aí ainda não tinha a certeza de que era a última, mas desconfiava profundamente disso, e, como o tempo foi passando e não via ninguém atrás de mim, rapidamente percebi que era mesmo a última. Assim, fiz cerca de 95% da prova em último lugar. E não me importei. Nem um bocadinho!

Fiz a minha prova, ao meu ritmo, sem stress, sem pressão, e com o privilégio de ter a companhia da incrível Ju Ferreira, que foi a minha vassoura e me apanhou aos 10km.

Estava com medo de me sentir frustrada, de deprimir, de achar que aquilo não era para mim, de querer desistir. Mas não. Eu tinha o meu objectivo muito claro: fazer menos de 5 horas. E cumpri. Por isso, não tinha razão para me sentir frustrada. Eu tinha a prova bem controlada, estava a sentir-me bem, tudo apontava para conseguir cumprir o objectivo. Estar em último era só um pormenor. Bastante irrelevante por sinal!

Claro que ter a vassoura comigo ajudou. Ajudou muito. Fomos entretidas na conversa. Tão entretidas que até nos enganámos!... Conversámos, trocámos experiências (ela é uma croma!), tirámos fotos, e, pelo meio, fomos correndo.

A maravilha que é ter alguém para nos tirar fotos?

De vez em quando, ela deixava-me ir à minha vida. E, depois dos abastecimentos, ela ficava por lá mais um bocado, e eu tentava ganhar algum avanço (olha a piada!). Tê-la comigo ajudou-me, sobretudo, com as minhas paranóias de andar sozinha e ter medo que me dê alguma coisa. Confesso que até aos 10km, em que fui sempre sozinha, tive alguns momentos de receio. Porque depois do abastecimento dos 6km, em que a prova curta e a longa se dividiram, eu sabia que se me acontecesse alguma coisa, não vinha ninguém atrás de mim para me ajudar... Coisas em que eu penso... Fazer o quê?

Mas falemos da prova!

Gostei muito! Mesmo! Não é uma prova incrível, extraordinária e linda de morrer. Mas é uma prova com uma organização irrepreensível, bons trilhos, difíceis mas sem serem demasiado técnicos (excepto uma subida em que eu vi a minha vida a andar para trás e dei cabo das unhas, tal a escalada que fiz...), excelentes abastecimentos, gente simpática, muitos fotógrafos, t-shirts giras, de qualidade e com tamanhos de jeito, e tudo o que uma boa prova precisa de ter! Tudo isto, a uma hora de Lisboa. Vale mesmo a pena!

A minha prova dava pelo nome de Trilhos do Cársico e tinha 27km, sendo que inicialmente estava inscrita no Trilhos das Grutas, que tinha 16km. A partida foi às oito e meia da manhã, e os primeiros quilómetros a descer ajudaram a aquecer! Foi sol de pouca dura...



Aos 5km tivemos A subida. Subimos 250 metros em apenas um quilómetro, numa autêntica parede, em que eu me senti perdida por só ver pedra à minha volta e não saber por onde ir (ver foto de cima, onde está a perspectiva que eu tinha quando ainda estava do outro lado - ainda desci até ao vale, e depois foi sempre a subir). Aqui, já na fase final e pior da subida, começaram a passar por mim os primeiros cromos do Trail curto (que tinham partido às nove), e eu deixei-os passar só para poder copiar o caminho deles e saber por onde ir!

Não dá para ter noção, mas eu tinha vindo do estradão lá em baixo...

Seguiu-se o primeiro abastecimento, nas Grutas de Santo António, que estava envolto num nevoeiro tremendo, que se manteria ainda durante algum tempo. Depois do abastecimento, estava outra vez sozinha, perdida no meio do nevoeiro...

Literalmente, de fita em fita, no meio do nevoeiro!

Mas lá fui. Comecei a descer e tentei recuperar o ritmo e baixar a média que levava. Aos 10km, já em mais uma subida simpática, apareceu então a vassoura a gritar o meu nome. Perguntei-lhe se ela era a vassoura, e só lhe disse "coitada!".

Acabámos essa subida, descemos até aos 13km, e depois foi, basicamente, sempre a subir até aos 20km, com um abastecimento aos 14km... Já não era uma subida tão técnica, foi quase sempre em trilhos relativamente corríveis, mas custou-me horrores. O nevoeiro já tinha desaparecido, começava a estar calor, e as subidas pareciam infinitas.


Momento "I'm on top of the world!"

Aos 17/18km, eu juro que só me perguntava se ia conseguir chegar ao fim. Faltavam 10km e eu estava de rastos. Foi o meu momento da marreta. Há sempre um, não é verdade? O meu foi ali. Felizmente, o abastecimento dos 20km apareceu um pouco mais cedo, e deu-me o ânimo que me estava a faltar.

Quem será o Pai Arlindo?

Faltavam 7km. Sabia que ainda faltava uma subidita, e depois a subida final para a meta, mas estava com 3h40 e 20,2km. Tinha tempo de sobra para acabar a prova no tempo que queria.

Mira de Aire à vista. Portanto, é só descer tudo, fazer o vale, e subir tudo outra vez. É tranquilo.

Primeira subida despachada, e depois foi ir a descer por ali abaixo. Não consegui soltar-me demasiado, porque as dores nos pés já não davam para muito mais (esqueci-me de levar a fita...), mas lá fui correndo. Estava quase.

Sim, ainda parámos para tirar fotos às vacas.

Pouco depois, a minha vassoura avisa a organização que estamos nos 25,5km. Um bocado mais à frente eu aviso o louco que estou quase a chegar e que vou querer foto. 

Entramos em Mira de Aire, sempre a subir. Está quase. Vejo-o ao longe. Tira-nos fotos e diz-me que a prova lhe correu bem. Vai um bocadinho comigo e depois segue.


Última subida. Umas escadas infinitas. Oiço o meu nome no altifalante. Ao cimo das escadas um grupo a bater palmas. Falta atravessar a estrada e fazer a passadeira vermelha até à meta. Toda a gente a bater palmas, incluindo quem estava na esplanada do café. Um grande grupo de gente à minha espera junto à meta, incluindo o meu louco. As palmas. As palavras de incentivo. Corto a meta. Com uma sensação estúpida de felicidade e dever cumprido. Quero lá saber se fui a última! Aquela chegada apoteótica no final foi a melhor que já tive! Eu agora quero é chegar sempre em último!






Não dá para descrever mais do que isto. As fotos falam por si. Aquela chegada, aquele apoio, fizeram o meu dia. E aquela organização só pode estar de parabéns!

Esta manhã, quando acordei depois de uma noite cheia de insónias, depois de uma barriga às voltas, depois de um estado de nervos tremendo, eu cheguei a pensar que não ia ser capaz. Que tinha sido mais um capricho arrogante achar que podia fazer 27km em Trail, sem nunca ter feito nada assim e sem ter treinado. 

Mas fui capaz. E, se me perguntarem, é por isto que eu corro. 

Das fotografias que dão alegria... - Day 209


Trilhos do Cársico - Limestone Ultra Trail em Mira de  Aire. 

sexta-feira, 19 de julho de 2019

Das fotografias que dão alegria... - Day 200


Houve alguém que decidiu acordar às seis da manhã para ir treinar para Monchique. Outro alguém, mais sensato, já foi correr 5km, já aspirou a casa, já foi ao supermercado, já foi à livraria da esquina que tem livros estrangeiros e usados ao preço da chuva, já comeu, e agora viu o seu colo assaltado por um gato que adora as férias e esta casa com varanda.

Esse outro alguém tenta agora decidir se há-de pintar as unhas ou agarrar-se a um dos livros novos.

Também podia ir até à praia, mas esse mesmo alguém que foi correr 5km só porque sim, recusa-se a caminhar 1km até à praia mais próxima. 

Estar de férias é mesmo cansativo! 

quarta-feira, 17 de julho de 2019

Do meu estatuto de roadie...

Um dos momentos altos da minha semana foi... 

Receber no meu email o bilhete que me vai dar acesso aos autocarros do UTMB! É oficial: vou passar o dia do OCC a andar de autocarro de um lado para o outro, a acompanhar as passagens do louco-mais-louco-do-que-eu pelos pontos de controlo!

Agora sim, sou uma roadie a sério! 

Das coisas que eu nunca pensei ouvir-me dizer...

A propósito da nossa ida para o Sul nos próximos dias... 

- Por um lado, prefiro ir na quarta à noite porque assim podemos correr quinta de manhã, por outro, prefiro ir na quinta de manhã porque assim posso ir ao ginásio na quarta...

Quem é esta pessoa e o que fizeram à Agridoce?... 

terça-feira, 16 de julho de 2019

Do meu fim-de-semana... E do Thom Yorke...

O meu fim-de-semana foi... Cheio. E cansativo. E feliz. E memorável. 

Sexta-feira às onze da noite, depois de duas horas na cozinha e noutros preparativos diversos, estava eu a pintar as unhas. Descobri que tenho mais uma a ficar negra. Já me perco. Será do Almonda? Ou da Serra Amarela?... 

Sábado o despertador tocou cedo. Muito cedo. Destino? Sesimbra, para a despedida de solteira da minha irmã do meio. Programa? Passeio de barco para visitar as praias da Arrábida, dar uns mergulhos, comer e beber. Foi giro, muito giro. O programa ainda incluía jantar e dormida, mas eu tive de regressar a Lisboa.

Próximo destino? Nos Alive. Foi só mesmo ir a casa tomar banho e comer qualquer coisa, e lá fui eu.

Eu não sou pessoa de festivais. Não gosto de confusões, de muita gente, do caos no geral e de pessoas em particular. Só tinha ido ao Alive em 2012, ver os Radiohead, pois claro, e só lá voltei este ano porque mal o Thom Yorke confirmou, fui a correr comprar bilhetes.

Eu lido mal com festivais. Em primeiro lugar, porque com 1,58 metros de altura, conseguir ver alguma coisa de jeito é uma tarefa hercúlea. No Primavera, a coisa disfarça. Mas no Alive a plateia está toda em terreno plano e a coisa não funciona para mim. Em segundo lugar, eu lido mal com a invasão do meu espaço e da minha bolha, coisa que acontece invariavelmente quando estamos numa multidão com umas centenas ou milhares de pessoas. Eu não gosto de me sentir apertada, eu acho que fico com falta de ar, eu só penso no que seria uma emergência e precisar de sair dali. Sim, penso várias vezes que se me der uma coisinha má, vou ficar ali. Não é o melhor estado de espírito para um festival.

Fui para o Alive com um objectivo muito claro: ver o Thom Yorke. Se desse para ver Bon Iver e mais qualquer coisinha, tanto melhor. Senão, paciência. Mas ainda vimos os Idles (gente louca, não?), depois Bon Iver, e depois, porque ao meu lado tenho uma pessoa meio sensata meio louca, vimos o concerto da Marina, que eu nem sabia quem era, mas que actuava no mesmo palco onde o Thom Yorke ia actuar à meia-noite. Fomos para esse palco deviam ser umas dez e vinte, mais ou menos, depois de ver Bon Iver a tocar o Skinny Love (era o meu único requisito para concordar com o que viria a seguir).

Estivemos uma hora e quarenta minutos à espera do Thom Yorke. Uma boa parte deste tempo foi a assistir ao tal espectáculo da Marina. que era assim uma coisa meio surreal, para o meu gosto. Mas aguentei estoicamente e sobrevivi. E ainda bem! Mal o concerto dela acabou, numa questão de segundos decidimos que íamos tentar ir o mais para a frente possível. Eu, que fico sempre mais para trás ou nas laterais (ver parágrafo anterior), achei que era boa ideia ir para a frente. E fomos. Ficámos na terceira fila a seguir às baias, praticamente a meio do palco. E eu comecei a entrar em pânico. A sentir-me esmagada (não fomos os únicos a aturar a Marina para usufruir do Thom Yorke). A dizer-lhe baixinho que não sabia se queria ficar ali. Tinha o meu racional e o meu emocional a degladiarem-se. Eu queria muito ficar ali. Mas eu não sabia se aguentava ficar ali. À nossa frente estavam dois rapazes, um deles bem alto, que tinham lá mais amigos que estavam atrás de nós. Depois de perceberem que os amigos não conseguiam ir mais para a frente, perguntaram-nos se não queríamos nós trocar com eles. Claro que queremos! Sim, por favor! E fomos. Segunda fila. à minha frente só umas raparigas, e logo a seguir as baias, o fosso e os seguranças. Ali eu sabia que se me desse alguma coisinha, eu só tinha de esbracejar e saltar as baias para o lado de lá. Sim, eu penso nestas coisas todas. Sempre. Invariavelmente. Senti-me muito mais tranquila, recusei olhar para trás para não ver o mar de gente nas minhas costas, e preparei-me para o que aí vinha.

Como se fosse possível! O Thom Yorke é o Thom Yorke. Eu sou muito, muito fã dele. Acho que me apaixonei um bocadinho por ele no concerto dos Radiohead no Coliseu, no longínquo ano de 2002. Não tarda faz 20 anos e os Radiohead estiveram sempre presentes na minha vida, bem como o Thom Yorke na sua carreira a solo.

fimdesemana

O homem é um génio. E em palco isso é ainda mais evidente. E quando estamos na segunda fila, e o sentimos ali quase ao esticar de um braço, quando vemos cada detalhe dos seus movimentos, cada expressão, cada olhar, cada ruga do seu rosto... É indescritível! O concerto foi mesmo, mesmo, mesmo muito bom! É impossível ficar indiferente àquela música, àquela energia, àquela correria pelo palco que parece meio desconcertante, a roçar a insanidade, mas que nos prende, que nos cativa.

Cheguei ao fim com a sensação de ter assistido a um concerto que ficará para sempre na minha memória. E, mais do que isso, com a pessoa certa ao meu lado. E, isso, faz toda a diferença. E, isso, faz tudo valer a pena.

Passei o Domingo de rastos, a sentir na pele o que é a expressão "passou-me um camião por cima", a pensar que já não tenho idade para isto. Mas se o Thom voltar, eu voltarei para o ver. Porque vale mesmo a pena.



quinta-feira, 11 de julho de 2019

terça-feira, 9 de julho de 2019

Da falta de palavra das pessoas...

Alguém, provavelmente eu, tinha escrito, provavelmente por aqui, que depois da Serra Amarela só faltariam duas provas para o final da época. 

Pois que já fiz as Fogueiras e o Sintra Trail X'Treme. Se não me engano a contar, isto dá duas provas. 

Como é que daqui a 3 semanas já tenho outra?! Como?!

A sério... Já não se pode confiar no que as pessoas dizem. Num dia pensamos que estamos de férias até Setembro. No outro, pumbas!, toma lá mais no final de Julho para não ficares mal habituada.

E o drama é que a inscrição foi feita no Sábado, antes de Sintra, e eu optei pela distância conservadora. Depois do trauma de Sintra, estou aqui a pensar de mim para mim, se não me atiro assim à doida para a distância mais longa que já fiz na vida. Só para acabar a época em grande, sei lá.

Convém esclarecer que a distância é mais longa mas tem menos acumulado do que a Serra Amarela. É uma loucura controlada. Não nos entusiasmemos que eu não enlouqueci de vez. Ainda.

Talvez esteja a querer dar um passo maior do que a perna, o que não é difícil no meu metro e meio. Mas sinto-me bem. A Serra Amarela correu bem. As Fogueiras correram bem. Sintra correu bem (pudera!). E eu não sei se um dia destes não deixo de correr. Talvez fosse boa ideia aproveitar este entusiasmo e fazer uma coisa assim a modos que ligeiramente maior.

Decisions, decisions... 

segunda-feira, 8 de julho de 2019

Do Sintra Trail X'Treme...

Diz que foi ontem que decorreu a 3ª edição do Sintra Trail X'Treme.

Diz também que eu participei, sobrevivi e cheguei ao fim sem quedas. Já não foi mau.

Comecemos por dizer que eu fui a esta prova em modo passeio. O louco do costume queria ir fazer a prova longa (31km) e eu disse-lhe que me inscrevesse na mais curta (10km). Ainda ponderei ir à intermédia (21km), mas os tempos de corte eram meio apertados para uma pequena lontra como eu, e achei que nesta altura da época já estaria farta de corridas e que era melhor fazer a mais curta e não me chatear muito.

Ontem o despertador tocou às seis da manhã. Seis da manhã. Eu não me lembro da última vez em que tinha acordado às seis da manhã mas foi, certamente, para apanhar algum avião. Não vejo outro motivo razoável para acordar às seis da amanhã. Ou não via. Porque agora já vi que também é possível levantar-me às seis da manhã para ir correr.

Chegámos a Sintra, levantámos os dorsais facilmente, e estacionámos a cinquenta metros da meta, como se quer.

A prova dele começava às oito e a minha só às nove. Vi-o partir e depois fui fazer tempo para o carro. Ainda pensei ficar por lá a dormir, mas sabia que já que ia ter de esperar tanto tempo por ele, mais valia fazer qualquer coisa para ocupar o tempo.

Chegam as 9 horas e a minha prova começa. Éramos poucos. Talvez uns 200. A prova começa e começa logo a subir. Foram 900 metros a subir a sério. Daquelas subidas em estrada que uma pessoa até a fazê-las de carro fica cansada! Mas eu lá fui. Tentei manter-me na minha caminhada acelerada, a dar aos braços, e a tentar não ficar demasiado para trás.

Finalmente, entramos nos trilhos. E eu, maravilhada com aquele single-track cerrado, de terra escura e macia, rodeada de eucaliptos jovens que mais pareciam bambus e nos envolviam completamente. Curva e contra-curva, a descer, sem vermos nada do que vinha aí a seguir. E eu a pensar no espectacular que aquilo ia ser, no quão bonita era Sintra e nas saudades que tinha de ali andar.

E pronto. A prova podia ter acabado ali que ficava muito bem.

Eu tenho perfeita consciência que este é um daqueles casos de "o problema sou eu, não és tu". Eu ia com as expectativas altas. Afinal, estávamos a falar de uma prova em Sintra. Sintra. Não é preciso dizer mais nada, pois não? Eu já fiz o Fim da Europa, que não é para aqui chamado, e já fiz o Peninha Sky Race. E Sintra é Sintra. E o que eu esperava de uma prova em Sintra era que fosse Sintra. Mas não foi. Problema meu, não é verdade?

Eu sei que não é possível fazer milagres em percursos de 10km. Eu sei. O problema começou logo aí. Eu nunca tinha feito um trail tão curto. E duvido que volte a fazer, na verdade. Soube-me a pouco. Uma pessoa parece que ainda está a aquecer e a coisa já está a acabar. Não quero mais disso.

O segundo problema foi que, de facto, não há grandes milagres com distâncias tão curtas. E eu já corri na Estrela, nos Açores, na Serra Amarela. Eu já vi coisas inacreditáveis e este trail, coitado que não tem culpa nenhuma, foi meio fraco nesse aspecto. Pronto.

A prova em si é uma boa prova. Aliás, para quem se queira aventurar nos trails mas sem grandes loucuras, é perfeita. Pouca distância, pouco acumulado, nada de coisas técnicas e difíceis, um percurso rápido e muito corrível. A sério. Para quem quer uma prova acessível e perto de Lisboa, esta está óptima.

Mas, para mim, soube-me a pouco.

O terceiro problema foi com os abastecimentos. Esta prova só tinha um abastecimento. É normal. Eram só 10km. E até posso concordar que o facto de só ter água também era normal. Afinal, os cromos que fizeram aquilo em 40 e poucos minutos, mal tiveram tempo de desidratar. Mas as pequenas lontras, como eu, teríamos agradecido mais qualquer coisita. Mais uma vez, o problema fui eu. Afinal, eu vou aos trails para comer o que não como em casa. Coisas como batatas fritas não entram nesta despensa, pelo que preciso de ir aos trails para me vingar.

No entanto, eles esmeraram-se e compensaram no final. E eu comi batatas fritas, claro.  E melancia, muita.

Se eu gostei da prova? Nem por isso. Mas não pela prova em si. A prova estava bem organizada, bem marcada, era simpática, era mesmo uma boa prova de 10km.

Eu é que fiquei durante muito tempo a pensar no disparate que foi não ter ido aos 21km... A última pessoa acabou apenas 4 minutos depois do tempo de corte previsto para o final da prova. Eu sei que sou lontra, mas acho que teria conseguido. E isso deixa aquele sabor agridoce de quem sabe que devia, pelo menos, ter tentado...

Para me distrair desta frustração, e depois de aproveitar bem a comidinha e a bebida no final, aproveitei mais outra das regalias da prova: massagens com o Filipitsch. Acho que já por aqui falei no Bernardo, e no quanto o recomendo. Pois que volto a falar e a recomendar. Quanto mais não seja porque, a meio da massagem, me perguntou: Tu estás mais magra, não estás? Andas a comer? Ora, eu não sei se ele diz isto a todas. Por mim, até pode dizer. Mas a verdade é que ganhei o dia e, só por isso, recomendo-o ainda mais.

Em resumo: foi uma bela prova, com uma excelente organização. Mas não é prova para mim.

Ah! Como desta vez fui mesmo correr, tirei apenas uma única foto, e foi logo na primeira subida, quando íamos todos a caminhar. Depois disso, zero fotos. Percebem por que é que esta prova não é para mim?... Sem comida e sem fotos?! Não há condições...

quarta-feira, 3 de julho de 2019

Da animação que é viver com um daltónico... - IV

Ainda a propósito do post anterior desta saga, sobre a Serra Amarela Sky Marathon e a forma como os daltónicos vêem o Mundo, não podia não partilhar por aqui o desenvolvimento do tema.

Deixo aqui novamente a imagem que usei para ilustrar o mesmo na altura:


Depois de publicar o post, decidi mostrar esta imagem ao meu daltónico preferido. Perguntei-lhe o que é que achava daquelas imagens e o que é que via ali. Ele, claro, ficou meio desconfiado, demorou algum tempo a responder, talvez com receio que fosse alguma coisa para eu gozar com ele (como se eu fizesse tal coisa!), mas ao fim de algum tempo lá começou a dizer o que achava. E o que ele achava era que as imagens eram estranhas. Que a da esquerda parecia ter sido toda editada, que as cores não estavam bem, estavam muito saturadas e que as frutas não eram nada assim. Tentei insistir. E ele a dizer-me o mesmo, que na da direita é que estavam bem, que na da esquerda as bananas, os ananases e os maracujás estavam com cores que não eram reais.

Eu dei-lhe um abraço e um beijinho. Expliquei-lhe a imagem, mostrei-lhe onde a tinha ido buscar (por insistência dele), e calei-me sobre o assunto.

Confirma-se: não deve ser fácil ser daltónico.

Falei-lhe sobre os óculos para daltónicos, e ele não quer. Falei-lhe sobre enviar um email à organização da prova, apenas a explicar a situação, e ele não só não quer como não me deixa a mim enviar.

Resta-me ir partilhando por aqui algumas peripécias e não deixá-lo nunca-jamais-never-ever comprar bananas!

Os devaneios Agridoces mais lidos nos últimos tempos...