Hoje o meu Pai faz anos. E, que perdoem todos os outros, mas o meu é o melhor do Mundo.
Por onde começar?
Bom, o meu pai foi pai solteiro. E se ser pai solteiro hoje em dia não é comum, há vinte anos atrás era qualquer coisa de muito rara. Mas foi. Os meus pais divorciaram-se e eu e o meu irmão ficámos a viver com ele.
E ele fez de nós quem somos. O meu irmão tem uma vida de sucesso e eu, assim o espero, para lá caminho. O meu pai educou-nos, ensinou-nos valores, levou-nos a dezenas de museus e a encontros de 2 CVs por este país fora. O meu pai pagou um balúrdio para podermos estar três semanas em Inglaterra a aprender inglês, a conhecer outra cultura e, sobretudo, a crescer. O meu pai permitiu ao meu irmão ir estudar para fora e permitiu-me a mim fazer uma série de viagens por essa Europa fora. E isso fez de nós quem somos.
O meu pai é a pessoa mais inteligente e mais culta que eu conheço. Tem um mau feitio terrível, tem. Mas a genialidade e a loucura sempre andaram aliadas e eu, que saio a ele, dou-lhe um desconto. O meu pai, que é hiperactivo e não sabe, está agora a fazer uma licenciatura em História. Só porque sim. Só porque quer aprender mais e porque não sabe estar quieto.
O meu pai é como é. É como foi feito. O meu pai não foi criado num meio de mimos e afectos e, por isso, ele não sabe bem o que isso é. Mas tem feito um esforço e tem melhorado. E ele não sabe como me deixa feliz quando passa por mim no sofá e me faz uma festa na cabeça. É a forma de ele me dizer que gosta de mim.
Porque o meu pai só me disse duas vezes que gostava de mim. A primeira foi quando eu estava na minha segunda depressão, enfiada há dias na cama, e ele foi lá, dizer-me que gostava muito de mim e que estavam preocupados comigo. A segunda foi quando eu, de lágrimas nos olhos, lhe expliquei porque queria ir estudar para Coimbra. O meu pai não concordava, em nada, com as minhas razões. Mas disse-me que gostava de mim e deixou-me ir. E isso, fez de mim quem sou hoje.
Noutras vezes, ele disse-o, sem o dizer. Lembro-me de um momento muito concreto: eu tinha chegado das aulas, já era tarde e já toda a gente tinha jantado. Eu estava na minha fase de quase anorexia (se é que se lhe pode chamar isso), e lembro-me de me sentar à mesa para comer. Olhei para a porta e ele estava lá, encostado à ombreira da porta. Eu perguntei-lhe o que é que ele estava ali a fazer. E ele disse-me que estava a ver se eu comia. Só isso. Estava ali para ter a certeza de que eu não deitava a comida para o lixo. E eu soube que ele gostava de mim.
Noutra altura, mais recente, convidou-me para ir com ele ao Continente às compras. Isso mesmo. A coisa mais simples do Mundo. Porquê? Porque eu precisava de sair de casa, de me distrair, nem que fosse para ir ao Continente às compras. E eu soube que ele gostava de mim.
O meu pai, sem saber, também já me salvou a vida. Na minha primeira depressão (não diagnosticada e não tratada), eu já tinha escrito a minha carta de despedida, já me tinha despedido no fórum que frequentava na altura, já tinha os comprimidos escolhidos. O meu pai não era para ir a casa nessa noite e eu já tinha tomado a minha decisão. No momento em que eu estava a abrir a gaveta para tirar o pijama que ia vestir para me enfiar na cama, pela ultima vez, a porta abre-se e o meu pai chega a casa. Ele não sabe, mas salvou-me a vida nessa noite.
Eu podia dizer aqui mais um milhão de coisas sobre o meu pai. Mas basta dizer que é o meu. E é o melhor do Mundo. E que hoje, quando ele soprar as velas, a única coisa que eu vou pedir é que ele continue por cá por muitos, muitos anos. Porque eu não vou saber viver sem ele. Ele é a minha base, o meu exemplo, o meu porto de abrigo, ele é tudo para mim. E eu não vou saber viver sem isso.
E hoje, só porque sim, no livro que lhe vou dar, vou escrever-lhe que gosto muito dele. Só para que ele saiba. Só para ele ler de vez em quando e não se esquecer nunca. Porque eu gosto mesmo muito dele.