Foi há uma semana que fui operada. Ainda pensei se valeria a pena escrever sobre isto por aqui, mas depois pensei que, tal como eu, podia haver mais gente que andasse por essa internet fora à procura de experiências de quem passou pelo mesmo. Por mais que médicos e enfermeiros nos expliquem o que se vai passar, é sempre diferente ouvirmos e lermos relatos de pessoas reais, como nós, com as mesmas dúvidas e medos.
A cirurgia em si não teve nada de especial. Acredito que, para as médicas que me operaram (tive uma equipa exclusivamente feminina de volta de mim - e onde raio é que eles arranjam médicas tão giras?), era apenas mais uma coisa simples e rotineira. Que era. Mas para mim não era assim tão simples nem rotineira. Apesar de já ter feito uma cirurgia do género há 15 anos atrás (adeus, ovário direito!), não deixava de ser uma cirurgia.
Não me lembro de grande coisa, obviamente. Lembro-me de me deitar na maca em que me levaram para o bloco. Lembro-me de passar da maca para a mesa no bloco. Lembro-me de perguntar pela anestesista e de querer saber que anestesia me iam dar. Lembro-me de me porem fios, de me prenderem à mesa, de haver todo um aparato à minha volta, de me dizerem que me iam começar a injectar a anestesia. E depois não me lembro de mais nada. Não houve contagens regressivas, nem elefantes cor de rosa, nem últimas palavras. Nada. Adormeci e acordei no recobro, cerca de 3 horas depois.
Confesso que tinha duas grandes preocupações: o meu útero e a anestesia geral (que nunca tinha levado). Nunca tinha pensado muito sobre isso, mas quando, na consulta de anestesia, o anestesista me explicou ao certo o procedimento, confesso que não fiquei muito confortável com a ideia. Além de ter de o ouvir comentar que, normalmente, as pessoas não faziam tantas perguntas e não queriam saber tantos detalhes. Mas ele era o sósia do Professor e eu queria ouvir tudo o que ele tinha para dizer. E então, disse-me ele, uma anestesia geral é mesmo isso: geral. Provavelmente, toda a gente sabe isto, mas eu nunca me tinha debruçado sobre o tema e ainda não tinha percebido exactamente que o conceito de anestesia geral é muito próximo de um shutdown total do nosso corpo, com uma fé absoluta de que, no final da cirurgia, vão conseguir fazer um reboot. E isso, ainda agora, não me deixa muito confortável. Mas eles lá devem saber o que fazem, ou não estivesse eu aqui a contar a história.
O pós-operatório podia ter sido pior: no próprio dia estava completamente drogada, lembro-me vagamente das visitas que tive, e queria mesmo era dormir. Nem fome eu tinha, se tal é possível!... Mas o dia seguinte foi duro. Estive estupidamente enjoada e acabei por vomitar duas vezes. Ora, depois de uma cirurgia abdominal, em que um simples espirro nos dá dores pouco suportáveis, o acto de vomitar é, além de pouco bonito de se ver, algo que nos faz desejar verdadeiramente que saia um alien de dentro de nós e nos mate de vez. Mas não. Continuei ali a sofrer até que, antes de dormir, me deram mais umas drogas para a veia, com a promessa de que, no dia seguinte, ia acordar fresca e maravilhosa (palavras da enfermeira).
E, de facto, acordei bem melhor. Tão melhor que quando a médica me veio ver a meio da manhã, e depois de olhar para a minha linda cicatriz e os seus 13 agrafos, decidiu dar-me alta antecipada. Ou isso ou eu fiz um ar tão desesperado por me ir embora e ela teve pena de mim. Ou isso ou fez parte do plano de contingência que estava a ser activado por causa do calor e que fez com que a enfermaria onde eu estava (e onde chegámos a ser 9!), ficasse completamente vazia quando eu fui a última a sair ao fim do dia. O que importa é que vim para casa no Sábado, e não Domingo ou Segunda, como previsto inicialmente.
E em casa continuo. Entre a cama, o sofá da sala e o sofá do escritório. Entre séries e livros, quando há cabeça para isso. A pegar no portátil pela segunda vez agora, para escrever este texto. Com sestas. Com neuras. Com pouca paciência. Com algumas visitas. Com um gato cada dia mais mimado e que está agora encostado a mim, porque está imenso frio e precisamos de nos aquecer mutuamente.
E com dores. E com tonturas. E a enrolar a barriga em película aderente quando quero tomar banho, num momento sempre ridículo, sempre caricato. E a sentir-me cansada. E frustrada por me sentir inútil e incapaz de fazer o básico. E encharcada em drogas. Mas a sentir-me a melhorar, a pouco e pouco. Dia após dia. Sei que é uma questão de tempo até recuperar a minha mobilidade, até as dores e as tonturas melhorarem, até poder voltar a fazer alguma coisa e sentir-me produtiva.
Mas, já se sabe, não sou a pessoa mais paciente do mundo e este processo, que se quer lento e repleto de descanso, consome-me aos poucos e cansa-me.
E ainda só passou uma semana!...