Foi há uma semana que fiz os Trilhos de Lousa, no meu regresso às provas de trail, depois de mais tempo do que seria razoável ou do que eu gostaria...
A escolha desta prova foi uma escolha muito prática: era perto de casa, tinha uma distância curta simpática (12km), a prova não era cara (e o valor podia ser usado em compras da Prozis) e não chocava muito com o plano de treinos.
A organização não foi brilhante, lamentavelmente. A começar pelo levantamento dos dorsais, seguindo-se a hora de início da prova, passando pelos abastecimentos, e acabando na escassez do abastecimento final... Mas valeu a pena!
Chegámos em cima da hora (é o que dá ser tão perto de casa), levantámos os dorsais e eis que me deparo com isto...
É verdade... Tive de fazer o trail com um dorsal a dizer... Lontra! Para a próxima, trato eu das inscrições, está visto.
O início do trail longo foi às 10h, mas o trail curto, que no regulamento estava marcado também para as 10h, tinha sido adiado para as 10h30. Perante algumas reclamações, acabaram por começar às 10h20. Por um lado, foi bom, mas por outro houve alguma falta de informação oficial e coordenação, para que as pessoas se pudessem organizar...
Lá começou a prova, sempre a subir, e lá fui eu. As pernas não respondiam, não queriam correr, já não se lembravam bem do que aquilo era e recusavam-se a fazer os movimentos que eu queria que elas fizessem... Mas lá fui.
Acabei por ficar mais para trás, no grupo dos mais lentos, o que se veio a revelar um pequeno problema...
Comecei a apanhar trânsito. Muito trânsito. Trânsito compacto e parado...
Eu não sou pessoa de correr propriamente depressa (não sei se já tinham reparado), mas até eu comecei a desesperar com a lentidão a que estávamos a progredir. Ou a não progredir, dado o tempo que estávamos parados.
As subidas não eram fáceis, eu sei. Para mini-pessoas como eu, menos ainda. E as descidas também tinham algumas dificuldades, eu sei. Mas estava a desesperar e em conversa com outros atletas fiquei a saber que o ano passado, nesta subida (fotos acima e abaixo), demoraram quase uma hora. Este ano não sei ao certo, mas talvez meia hora, pelo que até nem foi assim tão mau... Mas foi um exagero, até para mim!...
Quando vimos a meteorologia para esta prova, não estava prevista chuva. E eu estava muito contente com esse facto, porque me apetecia tudo menos chuva e lama, no meu regresso ao trail. Ainda assim, enfiei na mochila um corta-vento, just in case, porque queria ir de manga curta, e podia ter frio ou sentir falta de mais qualquer coisa. Pois que depois da subida infinita começámos a descer, o céu ficou mais escuro, e começaram a cair as primeiras pingas. E depois os primeiros pingos gordos, e depois mais e mais chuva. Estávamos ao quilómetro 5, mais ou menos, e com mais de uma hora de prova, quando eu pensei desistir. A prova estava a ser mais dura do que eu esperava e a chuva não estava a ajudar. Nesta fase, passei junto a um carro da organização, em que estava outra atleta a desistir e a dizer que não estava preparada para algo assim. Eu também não. Eu também não. Só pensava que se aquilo estava a ser assim até ali, com a chuva a sério que tinha começado entretanto, só ia piorar. Hesitei. Mas limitei-me a pousar a mochila no chão, vestir o corta-vento e seguir viagem. Esperavam-me umas descidas simpáticas, já bem enlameadas e perfeitas para cair.
Enquanto descia só pensava no disparate que tinha sido levar aquele corta-vento. Aquele corta-vento tinha sido comprado no longínquo ano de 2016, para a famigerada Meia dos Descobrimentos, que quem fez nunca esquecerá, tal foi o dilúvio durante a prova. Eu, que corria há relativamente pouco tempo (foi a minha 2ª ou 3ª meia, já nem sei), fui em cima da hora à Decathlon comprar o corta-vento/impermeável mais barato que eles lá tinham, numa fase em que me recusava a gastar muito dinheiro em material de corrida, porque achava que era uma moda que a qualquer momento me ia passar (ainda hoje acho, na verdade, que isto de eu correr e gostar ainda é coisa que está por explicar...). E foi um disparate levá-lo porque ele é, de facto, muito fraquinho, e eu tinha recebido na véspera o novo que encomendei e que é bem melhor, mas que achei sensato não levar para estrear em prova. E não ia chover, lembram-se?... Pois que choveu, e muito. E eu tinha frio e estava desconfortável e só rogava pragas a mim mesma, pelas minhas decisões pouco inteligentes.
Ao mesmo tempo, perguntava-me por que raio é que eu sou capaz de gastar umas dezenas de euros num impermeável para correr, e não sou capaz de fazer o mesmo para comprar um sobretudo para usar todos os dias... Isto da corrida afecta-nos o cérebro, não é verdade? É que eu olho para o meu calçado e para os meus ténis e passa-se o mesmo. Alguém me explica?...
Bom, talvez seja hora de voltarmos ao trail...
Lá vesti o corta-vento pouco impermeável, consegui não cair na lama, consegui ter os pés só mais ou menos ensopados, e lá fui eu.
Aqui já com sol, em modo Teletubby cor-de-rosa pela serra fora. Curiosamente, ia a sentir-me relativamente bem. O princípio da prova foi mesmo o mais duro, mas depois a coisa melhorou.
Encontrei esta foto por acaso, de uma participante que ia atrás de mim e a partilhou no evento da prova no Facebook. Tivemos de atravessar este mini-riacho e consegui não molhar os pés. Kudos para mim!
Do outro lado estava o abastecimento. E temos de falar sobre o abastecimento.
O abastecimento estava previsto, em regulamento, aos 8km. Eu sei que estas coisas são flexíveis. Sobretudo, em trail. Eu sei. A sério que sei. Mas fazê-lo só aos 9,3km? Ninguém merece!... Numa prova de 12km, pôr o único abastecimento aos 9,3km, é pouco equilibrado, parece-me... Mas... Isso nem foi o pior. E também não me chocou o facto de o abastecimento só ter água e isotónico. Nunca tinha visto nada assim, confesso, que a malta do trail gosta de comer. Mas tudo bem. Já tinham dito que seria só de líquidos, era só de líquidos. O que me chocou, mesmo mesmo, e que vai dar direito a um email para a organização, foi estarem a servir a água aos participantes em garrafas de um litro e meio de água. Talvez seja mania minha, talvez seja ilusão minha, mas na minha cabeça eu gosto de acreditar que a malta do trail tem uma maior consciência ecológica. Não sei. Talvez por andarmos no meio dos trilhos, no meio da natureza, no meio de serras, talvez por estarmos mais próximo da natureza, eu gosto de acreditar que também tomamos mais conta dela. Mas parece que não. Parece que alguém achou razoável gastar dezenas de garrafas de água para dar abastecimento a quem estava a correr. Também nunca tinha visto nada assim. E não gostei.
A prova seguiu-se, com um percurso interessante, com alguma dificuldade, com muito sobe e desce, com muita lama, com paisagens incríveis. Conseguiram fazer uma prova gira, aqui tão perto de Lisboa, e isso é de louvar!
Aqui já ia mais isolada, consegui soltar-me mais nas descidas, fazer as subidas num ritmo menos lento, e aproveitar os singletracks mais apertados como eu gosto (sozinha, só eu no meio da floresta de verde a envolver-me).
A prova acabou por ter quase 13,5km e o último quilómetro era sempre a descer, e aí aproveitei para me soltar e para me lembrar por que razão gosto tanto de trail. Cortei a meta com medo de ouvir chamarem-me Lontra (mas, vá lá, estavam a ver os nomes no computador e disseram o meu nome verdadeiro...), cheia de lama e com as pernas a escorrerem sangue, mas a sentir-me bem. Mesmo bem.
Fico sempre espantada com o mar de emoções que atravesso durante uma prova, sobretudo, de trail. Tenho momentos de desespero, momentos em que acho que não vou aguentar mais as dores (entre os gémeos a doer a subir, e as coxas a doer a descer, venha o diabo e escolha...), momentos em que me pergunto o que estou ali a fazer, momentos em que sinto uma sensação de liberdade incrível, momentos em que paro para contemplar as vistas à minha volta, momentos em que me sinto imparável. Felizmente, regra geral, a sensação no fim é sempre a mesma: sinto-me feliz e orgulhosa por mais um desafio superado.
Sei que para a semana vou sofrer, sei que ir fazer o que vou fazer é assim a modos que um meio disparate, sei que me vai custar, mas espero cortar aquela meta com a mesma sensação que senti a semana passada e que senti hoje depois do meu primeiro treino de 12km em estrada depois de muitos, muitos meses. Se conseguir chegar ao fim assim e sem me magoar, está o objectivo cumprido!
Perdoai o testamento, mas a pessoa agora escreve tão pouco, que quando escreve tem necessidade de escoar o stock de palavras acumuladas.