A estacionar o carro ao pé do metro, num dia banal como todos os outros, oiço o telemóvel começar a vibrar dentro da carteira pousada ao meu lado. Penso para mim que deve ser o profissional e que não deve ser nada que não possa esperar pela hora em que, efectivamente, já estarei a trabalhar.
Depois ocorre-me que, apesar da hora, pode ser a chamada que tenho estado a aguardar nas últimas semanas. Curiosamente, meia hora antes enquanto tomava o pequeno-almoço, pensei ser eu a ligar para lá, mas acabei por me distrair com o gato e as habituais tarefas matinais.
Encostei o carro como pude e peguei no telemóvel. MAC. Apesar de ser um número para o qual não se pode ligar, tenho-o gravado para que me possa preparar e não ser apanhada de surpresa quando atendo. Também para garantir que atendo sempre.
Do outro lado, aquilo que eu queria ouvir mas que ao mesmo tempo queria não ter de ouvir: sou operada para a semana.
A cirurgia não é nada de complicado. Uma miomectomia, em termos técnicos. Tirar o pequeno alien que cresce dentro de mim, em termos leigos. É uma coisa simples, daquelas que os médicos fazem a toda a hora e sem grandes preocupações. Mas é o meu corpo. É o meu útero (com todos os receios ao seu futuro associados, caso alguma coisa não corra bem). É uma anestesia geral. E uma epidural, já agora. Não sei qual das duas me preocupa mais. Vai ser um pós-operatório chato. Vão ser as dores. Vai ser a minha falta de mobilidade e independência. Vão ser todas as coisas que ainda tenho bem presentes da última vez que fiz uma cirurgia deste género, quando, há quinze anos e um mês atrás, tirei um quisto e seu respectivo ovário (ou ao contrário). A única coisa boa é que me disseram que iam usar a mesma cicatriz da última vez. O que só deve querer dizer que vou ficar com uma cicatriz ainda mais feia e grossa. Mas quero acreditar que isso será sempre melhor do que duas cicatrizes.
E tudo isto para me distrair e não pensar no que me trouxe aqui: foi agora que me caiu a ficha.
Esta cirurgia já era uma possibilidade desde Dezembro. Depois de muitos exames e consultas, depois de dúvidas e opiniões médicas contraditórias, ficou decidido em Abril que seria mesmo operada. Entre a morte da minha mãe e a Maratona, ainda tive a consulta com o anestesista, que era o sósia do Professor (quem viu a Casa de Papel, entende). Depois tive mais uma consulta com a minha médica, e depois com as enfermeiras, que ficaram de me ligar a marcar a data.
Portanto, há já muito que eu sabia que isto ia acontecer. E estava calma em relação a isso. Até já tinha aproveitado os saldos para comprar o robe e as camisas de dormir que preciso de levar para o hospital. E já tinha aproveitado a Feira do Livro para me abastecer para o muito tempo livre que vou ter. E eu falava disto sem problema. Sempre dizendo que era uma coisa simples.
E é. Mas agora é real. Agora vai mesmo acontecer. Comigo.
E eu não quero. E tenho vontade de bater o pé no chão e fazer birra e dizer que não.
Tanta gente com problemas tão sérios e eu com os meus dramas infantis. Mas não quero saber. Hoje, eu posso. Amanhã já passou.
Que tudo corra pelo melhor. Força!
ResponderEliminarBeijinhos
Obrigada, João!
EliminarUm beijinho
Pequenos ou grandes, os nossos dramas são nossos e podemos chorar e gritar se quisermos. Há-de correr tudo bem, e isso é o que interessa. Amanhã é outro dia.
ResponderEliminarFelizmente, amanhã é sempre outro dia. Mais drama, menos drama.
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