Este é daqueles locais que aparece em todos os guias turísticos como algo a não perder em Chamonix, mas também é algo que divide opiniões, e que é caro. Eu não estava muito convencida, mas ele insistiu, e como acabámos por comprar o Mont Blanc Multipass (mais sobre isso, mais tarde), a coisa não ficou muito escandalosa.
Ainda assim, estávamos com alguns receios, porque o acesso lá acima está totalmente dependente das condições meteorológicas. Ora, nas semanas que antecederam a nossa viagem, as previsões não eram famosas e, muitas vezes, víamos que o acesso estava impedido... Fomos para Chamonix sabendo que o dia com o melhor tempo seria o Domingo, e não queríamos fazer a subida nesse dia por acharmos que podia ser o dia com maior afluência de turistas. Restava-nos a segunda-feira, que não sabíamos bem como ia estar. Felizmente, esteve um tempo espectacular! Céu limpo para uma visibilidade incrível, como se quer, e temperaturas à volta dos 0 graus lá em cima, o que não era nada mau.
Mas... Não bastava decidir e ir. Sabíamos que tínhamos de ir cedo, se queríamos evitar o caos. Muito cedo. E também sabíamos que não queríamos levar o carro, porque íamos começar o dia ali, mas acabar num sítio completamente diferente. Estávamos, então, dependentes do horário dos comboios (que paravam mesmo em frente à nossa Casa da Heidi). E a que horas é que tínhamos de apanhar o comboio para chegar ao Aiguille du Midi cedo? Às 6h54. Bela hora, para começar o dia!...
|
O Aiguille du Midi é aquele ponto lá no alto... |
O Aiguille du Midi, naquela altura do ano, abria às 7h10, e nós conseguimos chegar lá por volta das 7h30, depois de termos saído do comboio e termos ido em passo acelerado até lá (nós e todos os maluquinhos que saíram do comboio connosco...). E, pasmem-se, já estava uma fila considerável para as bilheteiras!
Mas... Quem tem boca vai a Roma, e eu usei o meu melhor francês para perguntar se, tendo o Multipass, tínhamos de estar naquela fila na mesma. Pois que não! Lá fomos nós e o Multipass já tinha valido cada euro! Eu diria que devemos ter ido no 2º ou 3º teleférico do dia, que nos levou até ao Plan de l'Aiguille (que fica nos 2317 metros). Decidimos ir logo apanhar o teleférico que nos levaria mesmo ao topo, e logo espreitaríamos este patamar intermédio no regresso.
|
A subida no teleférico! |
Com tudo isto, chegámos ao Aiguille du Midi passavam poucos minutos das 8 e aquilo estava... Vazio! Valeu a correria, valeu o madrugar, valeu tudo... A primeira impressão, e que não tem preço, foi o silêncio daquela altitude. Sabem aqueles ruídos parasitas que ouvimos sempre todo o dia a toda a hora? Ali não há isso. Ali não há nada. E é tão, mas tão tranquilizador... A sensação é indescritível.
|
O primeiro impacto! |
|
Conseguem ver os alpinistas ali na crista branca? |
Lá em cima, no topo do mundo, estavam 0 graus e as vistas 360º graus para os alpes franceses, suíços e italianos eram mesmo a perder de vista. Há muita coisa para ver, há diferentes zonas com exposições diversas, há toda a história de Chamonix e do Mont Blanc enquanto estância de ski e local de culto para os alpinistas, há muita informação sobre temas como a hipoxia, para quem tenha curiosidade e queira aprender um pouco mais. Lá de cima há também uma zona de onde os alpinistas podem sair para ir em busca do cume do Mont Blanc (ou de outra coisa qualquer). É não só muito interessante vê-los a preparem-se e a equiparem-se, mas também vê-los depois já a descer, atravessar o glaciar, e começar a subir. Eu bem tentei tirar fotografias, mas eles não pareciam mais do que pequenas formiguinhas, a avançar devagar por ali acima. Definitivamente, eles são os mais loucos de todos!
|
Eu, com o Mont Blanc lá ao fundo. Assim nem parece tão grande! |
|
Aqui estávamos mesmo no ponto mais alto, para onde se sobe de elevador. |
Acabámos por ficar no Aiguille du Midi três horas! É verdade. Andámos lá em cima três horas inteiras, a tirar 1001 fotografias, a ver as vistas todas de todos os ângulos, a tirar uma foto no Step Into the Void (que não ficou assim nada de extraordinário, mas enfim...).
Ainda parámos para tomar um café e um chá, e comer uns frutos secos (esta malta do desporto é mesmo esquisitinha e anda com frutos secos atrás nas férias!... espera! malta do desporto!?... eu!?... ensandeci...). Curiosamente, o bar lá no topo do mundo não é tão estupidamente caro como se posso pensar (tendo em conta a logística que deve ser abastecer aquilo!). Pagámos 6,10€ por um chá e um café. Há sítios em Lisboa onde pagamos exactamente o mesmo, e não estamos num dos sítios mais incríveis do Mundo.
|
Chamonix lá em baixo, e os Alpes a perder de vista. |
Quando nos viemos embora, aquilo já estava bem mais composto e mais agitado, pelo que tivemos a certeza de que termos madrugado foi mesmo o melhor que podíamos ter feito para usufruir em pleno de tudo o que aquele sítio tem para nos oferecer (fica a dica!).
Ia começar a segunda parte do dia...
Apanhámos o teleférico para o Plan de l'Aiguille, e não sei dizer se é pior a descida ou a subida!... Aquilo anda mesmo depressa e acho que o melhor é mesmo não pensar muito nisso!
No Plan de l'Aiguille há um café simpático, com uma bela vista, e as temperaturas já estavam bem mais agradáveis. Foi a altura de nos despirmos e dizermos adeus às várias camadas de roupa, e às luvas, e aos gorros. Esse foi, aliás, um dos dramas deste dia. Como íamos lá para cima muito cedo, e sabíamos que ia estar bem fresco, queríamos ir agasalhados, mas como íamos ter um longo dia pela frente, com um trilho pelo meio, não queríamos ir demasiado carregados porque depois íamos ter de andar com tudo atrás todo o dia... Não foi fácil, mas lá chegámos a um equilíbrio e descobrimos que uma pequena mochila de trail é, afinal, uma gigante mochila!
Já mais frescos, decidimos fazer-nos ao trilho. Objectivo? Chegar ao Mer de Glace!
A parte boa deste trilho era que seria maioritariamente a descer, uma vez que começava nos 2317 metros e iríamos até aos cerca de 1900 metros (até Montenvers, de onde desceríamos para o Mer de Glace). O tempo estava bom, sol e calor, excelente visibilidade, e lá fomos nós pelo Grand Balcon Nord.
|
Estás a ver aquelas agulhas? É para ai que nós vamos! |
Em Chamonix, basicamente, há um vale gigante onde está Chamonix e outras terras (como Argentière), e depois há as duas encostas: o Grand Balcon Nord e o Sud. Isto é uma versão muito simplista, claro, e nada técnica, mas acho que ajuda quem nunca lá foi a visualizar mais ou menos a coisa. Na véspera tínhamos andado no Sud, por isso agora era giro estarmos do lado oposto (o lado onde fica, efectivamente, o Mont Blanc), e estarmos com vista para o lado onde tínhamos andado no dia anterior. Nas fotos de cima dá para ver o caminho que tínhamos pela frente, o Mont Blanc que ficou para trás, e Chamonix lá em baixo. Na imagem seguinte dá para ver Chamonix à esquerda, a encosta toda e o Plan de l'Aiguille de onde partimos, e depois o trilho que fizemos até Montenvers. O Mer de Glace é aquele glaciar que vemos ali, nesta altura meio cinzento, mas que no Inverno está coberto de neve.
Foi um trilho muito mais calmo do que o da véspera, em que já deu para correr um bocadinho, mas pouco, que a altitude fazia-se sentir bem, e fomos a aproveitar as vistas. Foram cerca de 6km, em cerca de duas horas (mais foto, menos foto). Pelo caminho, continuámos a achar tudo super bem assinalado, e fomos sempre encontrando muita gente em ambos os sentidos. Também há quem suba até ao Plan d'Aiguille a pé, para depois pagar menos para subir até ao Aiguille du Midi.
|
O Mont Blanc ao meio e o Aiguille du Midi à esquerda. |
Chegámos a Montenvers pela hora de almoço, já eu estava meio rabugenta, com fome, e cansada. Tínhamos acordado antes das seis da manhã, lembram-se?... Optámos por comer num café/restaurante que lá havia, com opções relativamente saudáveis e sem ser muito caro.
|
Aquela coisa azul lá em baixo é a Grotte de Glace. |
Descansámos um bocado, recuperámos forças, e decidimos ir então ao Mer de Glace.
Que. Desilusão.
A sério. Aquilo é incrível, e espectacular, e tudo, e tudo. Mas não correspondeu nada às expectativas que tínhamos. Além do Aiguille du Midi, o Mer de Glace era o que nós queríamos mesmo ver, e foi por isso que acabámos por comprar o Multipass. Porque o que íamos pagar para visitar estes dois sítios já justificava comprar o Multipass. O que nós não percebemos, é que o que se paga no Mer de Glace é o comboio que leva até lá (e de volta a Chamonix). A visita ao Mer de Glace, o teleférico que se tem de apanhar para descer até meio do glaciar, e a Grotte de Glace (a gruta de gelo que se pode visitar no meio do glaciar) são de acesso livre. Sentimo-nos um bocadinho enganados, confesso...
Ainda assim, foi giro. Para chegar ao glaciar, além do teleférico, é preciso descer umas escadas com 500 degraus. E, claro, voltar a subi-las, se queremos sair dali... E foi isso que nos deixou meio desconsolados. Descemos os 500 degraus, estivemos nem dez minutos na gruta, que não tem muito para ver, e voltámos a subir os 500 degraus. Pronto. Claro que é uma experiência diferente, e acabou por ser meio marcante, porque ao longo da descida das escadas, vamos encontrando placas que nos indicam o nível do glaciar ao longo dos anos. E é assustador ver como, de ano para ano, ele vai ficando mais baixo. Não sei se daqui a 50 anos ainda haverá muita coisa para ver, por isso, quanto mais não seja por isso, ainda bem que lá fomos!...
De novo em Montenvers, restava-nos apanhar o comboio para regressar a Chamonix. Também é um passeio giro, em que vamos a descer por ali abaixo, vendo as vistas que são sempre incríveis e das quais não dá para uma pessoa se cansar.
Ainda demos uma voltinha por Chamonix, onde já se respirava UTMB por toda a parte, dado que neste dia foi o MCC e a partida do PTL.
|
O primeiro contacto com a meta, que ele ia cortar daí a 3 dias! |
De rastos, apanhámos o comboio e regressámos à nossa Casa da Heidi, para um jantar mais saudável, mas bem acompanhado.
No dia seguinte, o programa seria bem mais calmo!