Decorreu ontem mais uma edição da Scalabis Night Race, uma corrida noturna em Santarém, conhecida pelo seu ambiente único e pelo abastecimento de vinho tinto.
Já tinha participado nesta corrida há dois anos, numa prova da qual não tinha memórias muito boas. Não me lembrava de muito, mas lembrava-me que tinha detestado a prova, que me tinha custado horrores e que tinha ficado meio traumatizada. Talvez a culpa tenha sido, em parte, de ter tido a companhia do louco mais louco do que eu, que passou os 10km a puxar para mim e a chamar-me gosmas, porque eu não estava a dar tudo o que podia. E até tinha razão. Achava eu, passados dois anos, que devia ter feito um tempo miserável, dadas as más memórias que tinha. Anteontem achei que era boa ideia ir ver de quanto tinha sido esse tempo, para ter algum termo de comparação para este ano. Não foi boa ideia. Pois que há dois anos, segundo o meu strava, fiz 56'54. Ritmo médio de 5'45. Aproveitei para me deprimir mais um pouco, e andei a ver os tempos de provas e treinos naquela altura. Quase todos, abaixo dos 6 minutos por quilómetro. Pergunto-me o que se passou na vida e onde foi parar aquela pessoa que estava a evoluir bem e a correr a uma velocidade menos vergonhosa. Não sei. Não faço ideia.
Foi com este estado de espírito que fui ontem para a Scalabis: melhor do que há dois anos era impossível, qualquer coisa que não fosse mais 10 minutos do que há dois anos, já não era mau.
Sabendo a minha fraca forma actual, e sabendo que falta uma semana para o dia M, ia mentalizada para fazer um treino calmo, sem me esforçar muito, para não correr o risco de fazer algum disparate. Na minha cabeça, defini como objectivo os 6'15 de média. E, mesmo assim, não partilhei o objectivo com ninguém, porque tinha medo de não conseguir. Estava mesmo traumatizada com a prova de 2017!...
Fomos em excursão, os poucos elementos da equipa presentes, e antes da prova ainda deu para ver algumas caras conhecidas e encontrar algumas caras novas (Olá, ET! Olá, N.!).
A prova começou e eu, que ia no meio da confusão dos lentos, deixei-me ir. Mesmo que quisesse acelerar, não conseguia. Já não me lembrava do quão caótico pode ser aquele início e fiz o primeiro quilómetro muito lento (6'45).
Segui viagem tentando não me preocupar demasiado com o tempo. O segundo e o terceiro quilómetros já foram abaixo dos 6. E eu sabia que isso era um disparate. De cada vez que olhava para o relógio e via que ia demasiado rápido, tentava abrandar. Passei a maior parte da prova a tentar abrandar. Mas até me sentia bem. Tive uma dor ou outra, como dores de burro, mas tentei controlar a respiração e não pensar nisso, e a coisa foi ao sítio.
O ambiente da prova é, realmente, único. Entre ranchos e tunas, pessoas na rua e nas janelas, todo o percurso pelos sítios mais turísticos de Santarém, é mesmo uma prova que vale a pena. Para quem possa ter dúvidas: não bebi vinho no abastecimento. Acho que morria logo ali se tentasse bebê-lo!
O sexto quilómetro foi mais lento, a 6'17, porque foi depois de ter apanhado a água no abastecimento, e foi quando tomei o gel. Tenho dificuldade em beber água, tirar o gel, abrir o gel, tomar o gel, não me sujar toda com o gel super peganhento, deitar o pacote de gel fora num caixote do lixo apropriado, tudo isto enquanto não páro de correr. É muito para o meu pequeno cérebro!
Pelo caminho, fui-me cruzando com algumas caras conhecidas, que é coisa que me dá sempre algum ânimo. É mesmo a única coisa positiva que vejo nas provas com muitos retornos! Uma pessoa sempre se distrai e ganha ali uns boosts de energia que são sempre bem-vindos.
A dada altura, olho para o relógio e começo a fazer contas ao tempo. Faltavam cerca de 3km e eu estava com 41 ou 42 minutos. Contas rápidas de cabeça, e, meio incrédula, penso que talvez fosse possível um sub 60 (coisa que não faço há não sei quanto tempo...). Logo a seguir, penso que é parvo estar a pôr-me com ideias, porque o objectivo era fazer um treino calmo.
Ao mesmo tempo, sinto-me bem e deixo-me ir. E vou. Um quilómetro, depois outro, depois outro. Começo a acelerar no quilómetro final. Estou a fazer o retorno junto ao W quando começam a lançar os foguetes e eu assusto-me e dou um salto. Vejo uma última placa a incentivar um sprint final. Penso no pouco que falta e começo a acelerar. Entro na recta da meta, foco-me na técnica (que é coisa que eu tenho imensa...), começo a passar uma pessoa, depois outra, depois outra. A cabeça divide-se entre ter juízo e continuar aquele disparate nos 300 metros que faltam. Já sei que não dá para sub 60. Mas não faz mal. São os últimos metros. Vou dar tudo. E dei. Fiz o último quilómetro a 5'30. A loucura, para esta pequena Lontra.
Acabei com 1 hora e 27 segundos. Por pouco, não fiz menos de 60 minutos. Para mim, que as últimas provas de 10km que fiz foram em 1h06 (São Silvestre dos Olivais) e 1h05 (São Silvestre de Lisboa), e que tenho andado a fazer ritmos muito lentos nos treinos mais longos (à volta de 6'30/6'45), ter acabado com uma média de 6'04, foi espectacular.
Acabei com aquele sentimento agridoce, de quem não fez melhor por muito pouco (bastava que o primeiro quilómetro não tivesse sido tão lento), mas de quem fez algo muito melhor do que tem feito nos últimos tempos.
Se devia ter controlado o entusiasmo e devia ter-me mantido no meu plano de fazer a prova em modo treino, sem me esticar muito? Talvez. Provavelmente. Eventualmente.
Mas esta prova acabou por ter um impacto inesperado em mim e que valeu por tudo: voltou a dar-me confiança em mim e nas minhas capacidades, e voltou a lembrar-me do quão feliz eu posso ser a correr. Eu sei que 10km não são 42km. Mas a minha confiança em mim andava tão em baixo, que ter feito estes 10km com este tempo, a sentir-me bem e acabar bem, foi mesmo um boost de ânimo. E se eu precisava de um boost de ânimo!...
Depois da prova, o convívio em equipa (que é também família), as cervejas, o pampilho. O regresso a casa com a sensação de dever cumprido.
Ontem fiz as pazes com a Scalabis. E foi tão bom!
(falta uma semana!)