quarta-feira, 18 de abril de 2018

Do post que eu pensei que só escreveria daqui a uns anos...

A minha mãe morreu. A minha mãe, com quem eu não falava há quase sete anos, morreu.

Soube na segunda-feira. Estava no escritório, à hora de almoço. O telemóvel tocou e eu estranhei ver o nome da minha (meia) irmã. Do outro lado, estava a minha prima, para me dar a notícia. Não consegui reagir, não consegui processar. Passei algum trabalho mais urgente, ainda consegui garantir que ficava online a campanha que estava a preparar, e fui para casa.

E continuei sem conseguir reagir, sem conseguir processar.

Ontem, comecei a reagir e a processar. Mas pouco.

Poucas ou nenhumas pessoas poderão perceber o que leva alguém a estar sete anos sem falar com a pessoa que lhe deu vida. Talvez quem por aqui ande há mais tempo, já tenho lido algumas tentativas de explicar tal decisão. Mas não é fácil. Porque não é uma decisão fácil. Porque não é uma decisão de um momento, tomada de ânimo leve. Foram anos, muitos anos, que levaram a que eu deixasse de falar com a minha mãe e a afastasse por completo da minha vida. 

Achava eu, na minha ingenuidade ou na minha ignorância, que estava tranquila com essa decisão.

Agora, que ela morreu, não sei se estava assim tão tranquila. Agora, que ela morreu, também já não importa. Agora, que ela morreu, já não há nada a fazer.

Sempre acreditei que tinha feito o que podia, que tinha tentado, que tinha dado muitas e variadas oportunidades. Hoje, foram várias as pessoas que mo disseram: que foi ela que escolheu assim. Não sei se acredito que alguém escolha a solidão. Não sei se acredito que alguém escolha morrer sozinha. Mas parece que há quem acredite que sim.

Eu não sei. Sei que passei os dois últimos dias a questionar-me se, de facto, fiz tudo o que podia. Se, de facto, não devia ter dado mais uma oportunidade. Se, de facto, não a devíamos ter ajudado. Uma e outra vez.

Desde que me lembro que defendo que a frase feita que diz que "mãe é mãe", não é tão verdade assim. Porque não é. Há por aqui muitos textos a falar disso mesmo. Mãe não é mãe. Mãe é mãe se se comportar como mãe. Se fizer por isso. E a minha não fez. E agora? Agora nunca saberei se não o fez por não querer, se não o fez por não saber, se não o fez por não conseguir.

Hoje, enquanto via o caixão ser levado por entre as portas do crematório naquilo que considero sempre ser um momento terrivelmente pesado, todas estas dúvidas me assaltaram. Hoje, enquanto, finalmente, percebia que nunca mais a vou ver, caí em mim e não pude deixar de me questionar.

Eu sempre soube que este dia ia chegar. Eu sempre soube que, um dia, ia ter estas dúvidas. Porque, repito, não é uma decisão fácil. E, não há muito tempo, eu tinha dado comigo a pensar sobre isto tudo. E a sentir que tinha tomado a decisão certa.

Hoje, as coisas estão incertas. Hoje, as dúvidas são muitas. Hoje, questiono aquilo em que acreditei nos últimos sete anos. Questiono-me a mim. Recrimino-me. Hoje, tento acreditar naquilo que me repetiram hoje, vezes sem conta: foi melhor assim, ela está, finalmente, em paz, e nós podemos também ficar em paz. O que quer que isso seja.

Amanhã as coisas estarão ainda confusas. Mas sei que, com o tempo, se tornarão mais claras. Com o tempo, voltará a mim a lucidez que me fez tomar essa decisão há sete anos atrás. Com o tempo, talvez eu consiga lidar com isto. Ou talvez não. Talvez eu viva o resto da vida com este peso na consciência.



[os comentários estão desactivados por razões óbvias. este é um texto de mim para mim. apenas e só. porque precisava de pôr por escrito aquilo que não consigo dizer. porque é para isto que este blogue serve, mesmo que, por vezes, não pareça.]

Os devaneios Agridoces mais lidos nos últimos tempos...