segunda-feira, 8 de março de 2010

Da forma como olhamos para os outros (e os outros olham para nós)...

Aqui há uns tempos cruzei-me no emprego nº2 com um colega dos tempos do liceu. Depois das perguntas do costume, ele perguntou-me, com um ar que misturava o desdém e a preocupação: "estás aqui a trabalhar?". E eu lá lhe expliquei que aquele era o meu emprego das horas vagas, já de há vários anos, e que estava muito bem, a acabar o meu estágio, a preparar-me para fazer o meu mestrado. E ele lá perdeu o olhar de preocupação, e foi a vez dele se sentir "pequenino", ao dizer-me que estava a fazer algo que nada tinha que ver com a nossa área de formação.

Fiquei imenso tempo a pensar naquilo. Fiquei mesmo.

Passados uns dias, por coincidência (ou não), ao entrar numa qualquer Zara de um qualquer centro comercial de Lisboa, um funcionário disse-me "boa tarde", quando me virei para lhe responder, vi que tinha sido um colega nosso dos mesmos tempos no mesmo liceu. Acho que ele não me reconheceu. Não éramos amigos, nem colegas de turma, mas ele é fácil de não esquecer. E eu, estúpida que sou, acabei por sentir o mesmo que o meu outro colega deve ter sentido quando me viu a trabalhar. "Mas porque é que ele está aqui?"

É tão, mas tão fácil julgarmos os outros. Nem sequer pensamos muito nisso. Se calhar, ele estava ali a trabalhar mas também tem outro emprego que é o nº1, ou porque está ainda a estudar e não quer estar parado. Há tantas explicações.

Porque é que depois de me sentir mal por ter sido julgada (erradamente), eu fui fazer o mesmo? Acho que é por ser humana. Digo eu.

E isto leva-me a outra questão. Leva-me aos estigmas que temos na sociedade, e ao quanto menosprezamos certas profissões. O meu emprego nº2 é um desses empregos pouco valorizados. As pessoas esquecem-se facilmente que nós existimos. Não nos dão valor, desprezam-nos, passam por nós e não nos vêem, e são, muitas vezes, pouco educadas. Estou a generalizar, obviamente, porque há excepções. Há excepções que fazem valer a pena e que nos mostram que ainda há pessoas educadas e civilizadas no mundo. Mas, às vezes, não é fácil.

Mas eu gosto muito do meu emprego nº2. Gosto mesmo. Se pudesse, não fazia mais nada na vida. E não deixa de ser irónico. Porque, no meio de toda esta desconsideração pelo que fazemos, a maior parte das pessoas não sonha que nós até ganhamos bem. E os que sonham, pedem para vir trabalhar connosco. E isso irrita-me, e dá-me vontade de rir ao mesmo tempo.

No meio disto tudo, já aprendi alguma coisa. Depois de ter trabalhado quase um ano em telemarketing (no ano antes de entrar para a faculdade), e de estar no meu emprego nº2 desde o segundo ano do curso (é possível estar a estudar em Coimbra e trabalhar em Lisboa aos fins-de-semana), eu aprendi que nenhum emprego é melhor do que o outro. Aprendi (e isto aprendi com o meu pai e com o meu marido), que devemos cumprimentar da mesma forma o segurança, a senhora das limpezas e o senhor administrador. Ninguém é melhor do que ninguém por ganhar mais ou por ter um trabalho "melhor" (quem define o que é um trabalho melhor?).

E é por isso que eu sou tão cordial e educada com a senhora da fruta no supermercado do costume, como com o senhor do café, ou com um colega de trabalho. Porque ninguém é melhor do que ninguém. E, porque no fim de contas, os dias correm muito melhor se sorrirmos e formos simpáticos. Porque, às vezes, até há quem nos sorria de volta. E eu ainda acredito que a nossa sociedade pode melhorar. E tento fazer a minha parte.

Às três (vá, quatro) pessoas que me lêem, pensem nisto da próxima vez que forem ao supermercado. Se for 6ª feira, desejem um bom fim-de-semana, desejem um bom feriado, um bom dia, qualquer coisa. Agradeçam a atenção e peçam desculpa pelo incómodo quando interrompem o senhor que tem três montanhas de caixas para arrumar, para lhe perguntar onde estão os cotonetes. Tenham paciência e desejem bom trabalho àqueles chatos do telemarketing na próxima vez que eles telefonarem. Porque o trabalho deles é tão importante, tão válido, tão honesto como o meu, como o vosso (mesmo que não pareça).

5 comentários:

  1. A mensagem foi bem passada!

    Bisouxxx

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  2. Gostei muito de ler e concordo em absoluto. E não deve ser nada fácil sentirmos que nos olham por esse motivo. Infelizmente, nem sempre podemos trabalhar no que queremos. Mas é muito bom dizeres que gostas do que fazes, mesmo não sendo da tua área de formação.

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  3. Identifico-me com este post. Vivo uma situação bastante semelhante. Concordo perfeitamente com tudo.

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  4. L: eu trabalho na minha área de formação, mas é no meu emprego nº1 (um estágio profissional). No nº2 é que não, mas gosto mesmo muito do que faço, tanto, que tenho tendência a não encará-lo como trabalho, e sim como um passatempo remunerado eheheh :)

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  5. Pois, eu referia-me a esse nº2! É muito bom isso acontecer :)

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