sexta-feira, 31 de julho de 2020

Da Gravidez... - XIII (ou da forma como toda a gente te diz que te deves sentir, que nem sempre corresponde à forma como te sentes...)

O tema da maternidade está, todo ele, envolto em muitas e variadas opiniões, que são, muitas vezes, extremadas e radicais. Isso, só por si, já me cansa. Pior ainda quando, na maior parte dos casos, as minhas opiniões não condizem com as da maioria.

Comecemos pelo princípio. 

Para a larga maioria das mulheres, ser mãe é algo relativamente óbvio e natural. Para algumas, é mesmo algo com que sonham desde crianças. Para umas e outras, é algo que faz parte dos planos, do caminho natural da vida, dos passos que pretendem ir dando e dos objectivos que querem alcançar. Não conseguem sequer conceber a vida sem filhos. E está tudo bem.

Depois, há as outras. As que não querem ter filhos. As que não se imaginam com filhos. As que acham que também pode haver vida sem filhos. E já não está tudo assim tão bem.

Eu fiz parte do segundo grupo durante muitos anos. Nunca me imaginei como mãe, nunca pensei que as crianças fossem o melhor do mundo, nunca me derreti particularmente com bebés, nunca me senti "mãezinha", nunca achei que me faltasse essa peça na minha vida para ser feliz. Mas quis a vida que, um dia, eu mudasse de opinião, e eu passei a querer ter filhos. Mas essa foi a única coisa que mudou. Não baixou em mim todo um instinto maternal, nem passei a adorar criancinhas de um momento para o outro, ainda que possa vir a achar que a minha criança é o melhor do mundo (mas só a minha, sorry!).

Eu sou uma pessoa (relativamente) racional. Pouco emocional e fria, até, em algumas coisas. Calhou (ou não calhou porque fui eu que escolhi assim) ter ao meu lado uma pessoa igual ou ainda pior do que eu. Não era por acaso que, nos inícios da relação, eu lhe chamava cubo de gelo. Somos os dois assim, e está tudo bem.

Daí que, ao longo de toda a gravidez, eu tivesse dificuldade em lidar com perguntas como "estão super felizes?", ou afirmações como "aproveita a gravidez que é uma experiência única e vais ter saudades", ou ainda "ser mãe é a melhor coisa do mundo". Também é comum vermos e ouvirmos relatos de quem diz que amou os seus filhos desde o momento em que soube que estava à espera deles, num amor gigante e crescente. E eu, confesso, senti-me meio alien por não ter sentido isso. Na nossa racionalidade, a verdade é que acho que sentimos os dois dificuldade em criar relação com um ser que não víamos e que ainda não era bem real para nós. Até ao momento em que a Isabel nasceu, eu tive dificuldade em acreditar que ela era mesmo real, e tive dificuldade em sentir esse amor de que toda a gente me falava.

Também tive dificuldade em adorar a gravidez, mas já falámos sobre isso.

Agora, que a Isabel nasceu, eu continuo a sentir-me alien, por continuar a não me identificar com muitas das coisas que oiço e leio por aí. Não devia, mas fico a questionar-me se haverá algo de errado em mim, se não nasci mesmo para ser mãe, se terei algum defeito. Talvez daqui a uns anos se venha a descobrir que sim, que tenho, e já fica aqui o registo da minha consciência do facto.

Nestas 5 semanas (fez ontem!), eu já me afastei da Isabel algumas vezes. Três, se não estou em erro. Todas para ir ao médico e cerca de 2 horas de cada vez. Em momento algum eu me senti culpada ou preocupada. Não me custou, não fiquei a sofrer, não morri de saudades. A Isabel estava com a pessoa que, a par de mim, melhor pode cuidar dela. E eu não vi qualquer razão para estar preocupada. Mas fiquei preocupada por não ficar preocupada. O que é só parvo, mas é o que toda a pressão em torno deste tema me faz sentir.

Hei-de voltar a falar nisto, noutra perspectiva, mas confesso que é algo que me preocupa: não estar a sentir a maternidade como a generalidade das pessoas a sentem.

Também já me perguntaram coisas como "estás a adorar ser mãe?" ou "apaixonaste-te pela tua filha assim que a viste"?. E eu fico sempre na dúvida se dou a resposta verdadeira, ou a resposta politicamente correcta. 

No caso da primeira pergunta, depende da hora a que me perguntarem. Neste momento, em que tenho a Isabel envolta no pano, em pele com pele, encostada ao meu peito, sem chorar há uma hora, e lhe vou dando beijos na testa enquanto escrevo este post, sim, estou a adorar ser mãe. Se me perguntarem às duas da manhã, quando ela berra desalmadamente, quando nada a acalma, e quando ninguém neste prédio dorme, talvez eu responda que não estou a adorar assim tanto. 

No caso da segunda pergunta, não, não me apaixonei pela Isabel assim que a vi. Peço desculpa por isso, mas a verdade é que não acredito em amor à primeira vista (desculpem, não resisti!). A seu tempo, hei-de pôr aqui o texto sobre o nascimento dela, o que poderá ajudar a explicar isto.

No fim do dia, estou a adaptar-me a esta nova condição da minha vida, a esta nova realidade, a este novo ser que me desafia e apaixona em medidas (quase) iguais. E está tudo bem.

6 comentários:

  1. Uma coisa é o que as pessoas dizem (que pode ser sentido ou apenas para constar) e outra és tu. Vivemos numa altura que é costume catalogar pessoas duma forma ou outra mas a verdade é que cada individuo é um e um só ser. E ninguém tem nada a ver com isso, embora infelizmente a maioria goste de julgar os outros sem nunca ter meios para fazer um juízo pleno ou sequer aproximado.
    Não sei se já alguma vez disse aqui, pois gosto muito de referir esta frase, mas os índios Sioux tinham uma máxima que dizia "Para julgares alguém, tens primeiro que palmilhar milha e meia nos seus mocassins".

    Beijinhos e vive as coisas como te sabe bem viver, nunca deixando de seres quem és :)

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    1. Acho que as redes sociais vieram aumentar esta pressão e julgamento constante das vidas dos outros... Temos mesmo de desligar e não pensar nisso!

      Gosto dessa máxima :) devíamos todos fazer esse exercício, antes de criticarmos alguém. Mas é bem fácil que nos esqueçamos disso!

      Um beijinho, João!

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  2. Ao ler este texto não pude deixar de "soltar" um sorriso.
    Eu sempre fui a "maezinha".
    Em criança, quando me perguntavam o que queria ser quando fosse grande, a resposta constante era "ser mãe".
    Em adolescente, no meu grupo de amigas, eu era conhecida por soltar um "que giro!" e ser sempre um bebé enquanto que quando uma outra amiga o fazia era sempre um cão.
    E ainda hoje eu ADORO bebés e crianças em geral.

    Durante muito tempo sofri muito com a maternidade que foi sucessivamente adiada porque o destino assim o quis e não por minha vontade.
    Até que cheguei ao dia em que percebi que já não tenho essa vontade. Continuo a adorar crianças e a adorar brincar com elas. Mas também gosto muito de, no final, as entregar aos pais e vir para a minha casa em silêncio.

    Por isso, estamos muito bem assim.... O tempo muda-nos e ninguém tem nada a ver com as decisões que cada um toma.

    Quanto a achares que vês a maternidade de forma diferente... Vê-la com os teus olhos e pronto! Não há fórmulas iguais para todos apesar de nos quererem impingir isso.

    Muitos beijos para ti!

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    1. Curioso como as nossas vidas deram voltas opostas :) E o que importa mesmo é estarmos bem com isso!

      Entendo perfeitamente o que dizes, sobre gostares muito de crianças, mas gostares de regressar ao teu sossego :) Se entendo! Ahahahah!

      Um beijinho

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  3. Já aqui falámos da gravidez e no meu blogue também e eu não gostei, não tive nada de muito terrível para não gostar mas nào gostei.
    Não gostei de amamentar mas fi-lo porque também não me custava horrores.
    Saí sem a miúda e foi fantástico e quando voltei a trabalhar, apesar de me ter custado deixá-la com estranhos e de ter tido saudades soube-me mesmo bem estar 6h30 sem um choro, sem ter de dar de mamar, sem ter de a meter na cama e trocar fraldas e sabes, não faz de mim pior mãe.
    Acho que a maioria das pessoas não gosta de admitir que sabe bem estar sem filhos e que isso não faz com que gostemos menos deles!
    Durante a quarentena quantas vezes pensei e até perguntei ao Ricardo "tens mesmo a certeza que queres outro?? A sério?".
    Estás a fazer um excelente trabalho, estás a fazer o teu melhor e isso é que é importante. Continuas a ser uma pessoa, um ser individual com a sua personalidade e ainda bem! Se nos tornarmos "só" mães perdemos parte da nossa essência, a maternidade tem de ser algo extra e não a única coisa da nossa vida porque um dia eles crescem e não precisam de nós e a nossa essência foi-se...

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    1. Obrigada, Vera! Obrigada por me fazeres sentir mais normal! A sério! É como dizes, parece que é errado admitirmos que estamos cansados, que nem tudo é perfeito, que nos apetecia pô-los em pausa e ter uma folga... Somos piores por isso? Não creio...

      Eu sempre disse que queria 2... Agora? Já não sei! Ahahahah :) Mas ainda é cedo, eu sei...

      Obrigada pela tua visão de normalidade da parentalidade :)

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