quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Do Serviço Nacional de Saúde...

Importa começar por dizer que eu sou uma acérrima defensora do Serviço Nacional de Saúde. SNS, para os amigos.

Já aqui falei deste tema noutras ocasiões, e acho que é das coisas mais importantes que temos e que deve ser preservado e valorizado. 

Ultimamente, lemos e ouvimos cada vez mais notícias sobre a degradação do SNS, sobre as greves, sobre as faltas de pessoal, sobre a degradação das condições e sobre a dificuldade no acesso àquele que é um direito básico e consagrado na nossa Constituição. 

Em Setembro, no espaço de poucos dias, tive experiências completamente opostas no SNS. 

Como já por aqui contei, no dia do casamento da minha irmã, eu ainda dei um salto às urgências pela manhã. Fiz o que achei melhor na altura: liguei para a Saúde 24 (um serviço que merece todas as minhas vénias e aplausos), falei com uma enfermeira amorosa que me fez mil e uma perguntas, e que me disse que o melhor mesmo era ir às urgências, verificar se tinha o dedo partido ou não. 

E lá fui eu, para o hospital da minha área de residência. Entre entrar, ir à recepção, passar pela triagem, fazer um raio-x, ter a consulta com o médico, e ir novamente à recepção, demorei menos de 30 minutos. Menos de 30 minutos. Sim, era Sábado de manhã, estávamos em Setembro e estava um belo dia de praia. Mas foram 30 minutos para uma situação que era tudo menos urgente.

Além do espanto com a rapidez do atendimento, ainda fiz figura de tola, porque fui perguntar quanto e onde é que se pagava. Porque não paguei nada. Nada de nada. Nem sequer o parque de estacionamento, cujo ticket me validaram na recepção.

Parece que por ter sido encaminhada pela Saúde 24, estava isenta da taxa moderadora. Felizmente, não vou vezes suficientes às urgências para saber disto. Mas parece que é mesmo assim. 

E esta situação deixou-me perplexa e a pensar sobre o assunto.

Dias depois, numa consulta num dos maiores hospitais do país na sua área de actuação, fui encaminhada pela minha médica para uma consulta dentro do mesmo hospital, mas de uma área específica. Fui inscrever-me nessa consulta e disseram-me que o tempo de espera médio para a primeira consulta é de um ano. Um ano. Numa especialidade em que, por definição, estamos a lutar contra o tempo.

E esta situação deixou-me perplexa e a pensar sobre o assunto.

Eu não sei se concordo com o facto de não ter pago nada, ou de pagar uma ninharia, quando vou às urgências ou a uma consulta no SNS. A sério. Não me faz muito sentido usufruir de um serviço e não pagar por ele. Porque eu posso pagar por ele.

Acho que a saúde deve ser gratuita para quem, de facto, não a pode pagar. Acho que o Estado social deve intervir quando é necessário. Mas também acho que deve ser equilibrado e sustentável. E não me parece que o seja, nem de longe nem de perto.

Eu sei que há muito quem não concorde. Há quem ache que, como pagamos impostos, devemos ter direito a tudo e mais alguma coisa. Eu, sinceramente, não tenho uma opinião fechada sobre isso. Mas acho que não é justo que eu não pague nada, e que alguém com dificuldades tenha de pagar a taxa moderadora de umas urgências. Não sei. Talvez criar escalões? Inventam tanta coisa, inventem também uma forma de ajudar quem realmente precisa, mas sem fazer do SNS um buraco sem fundo de dívidas. 

Sim, todos os meses o Estado recebe umas centenas de euros à minha conta, entre o que eu desconto e a minha entidade empregadora desconta. Mas desconfio que isso não seja suficiente para pagar o que eu usufruo em saúde, em polícia, em estradas, em escolas, em mil e uma coisas. E muito menos será suficiente para pagar a minha reforma um dia. 

Se eu posso pagar, eu acho que devia pagar. Quanto mais não seja, porque se houvesse mais gente a pagar, ou se os preços fossem adaptados às possibilidades de cada um (como nos jardins-escola, por exemplo), talvez houvesse dinheiro para mais médicos. Talvez se o sistema fosse mais equilibrado e sustentável, os tempos de espera reduzissem.

Sim. Eu preferia pagar 20 euros da taxa moderadora, mais 10 ou 15 ou 20 ou o que fosse do raio-x que fiz. Preferia pagar o parque de estacionamento. Preferia pagar. A sério que preferia. E talvez assim eu não tivesse de esperar um ano por uma consulta de especialidade. 

Mas, lamentavelmente, não há essa opção. O SNS continua a definhar. E eu vou continuar a ver o tempo a passar.

Se me podia virar para o privado? Podia. Mas sempre achei que, para o que realmente importa, é no SNS que devemos estar. Porque é lá que estão os maiores especialistas, os tratamentos mais avançados, os melhores equipamentos. Ou estavam. Que agora já nem sei.

Uma última nota, em jeito de curiosidade: o hospital onde vou esperar um ano por uma consulta, é de gestão pública, o hospital onde demorei 30 minutos nas urgências, é uma PPP. Vale o que vale. Ou então não vale nada.

Só sei que nada sei. Que estou confusa e perdida. E preocupada. Muito preocupada. Porque se nos falha a saúde e a educação (que está pelas ruas da amargura), não sei que país será este... 

11 comentários:

  1. Este assunto entre outros dava pano para mangas. Vivemos num país onde impera a chico-espertice de alto a baixo, movido por lobbies e corrupção. Infelizmente não é apenas na saúde. Não se admite ter que esperar 1 ano por uma consulta, não se admite a minha mãe aos 72 anos necessitar de uma consulta de ortopedia por causa de um joelho e ter que esperar pela primeira consulta 256 dias em média, não se admite haver falta de médicos quando não falta quem queira dedicar a vida e fique de fora por décimas e falta de vagas, não se admite eu que desconto e bem há mais de 25 anos ter que pagar taxas e muita gente que eu conheço e que vive bem não pagar absolutamente nada, ter escalões na escola para os filhos, etc, etc, etc … não se admite haver pessoas com azar na vida e não terem as compensações e acompanhamento que necessitam, não se admite haver tanta mas tanta gente a viver verdadeiramente de esquemas e o sistema o permitir. Infelizmente não é apenas na saúde - antes fosse. Sou totalmente a favor de descontar e que parte seja para ajudar quem necessita - mas quando precisas o sistema deve estar lá para ti. Na 2ª fui com a Pikinita a uma urgência, entramos pouco passava das 19h e saímos às 3h30 da madrugada de 3ª - quase 8 horas - mas não nos queixamos, não foi por falta de vontade daquelas equipas de médicos, enfermeiros e auxiliares que foram incansáveis, que conseguiram sempre manter o sorriso, a simpatia e o profissionalismo mesmo num estado de caos que eram aqueles corredores e gabinetes. Parecia uma "guerra". E chegamos ao fim e pagamos a taxa.- O melhor é descontar e nunca precisar.

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    1. É triste, sabes? É daquelas coisas que mexem mesmo comigo. Se nos falta a saúde, não temos nada.

      Felizmente, temos excelentes profissionais a tentar fazer omoletes sem ovos... Mas isso não é nada! Nem nós merecemos este sistema, nem eles merecem estas condições.

      Se há coisa que me irrita em Portugal é esse chico-espertismo, é a pequena corrupção, é o só pensarmos no nosso umbigo...

      Espero que esteja tudo bem com a Pikinita! Beijinho para os dois!

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  2. Há escalões, a questão, como bem indicou o Carlos, é a chico-espertice.

    Nem sabia desta questão da Saúde24, mas a pediatria ainda não paga taxa moderadora, e os adultos cá de casa têm felizmente usado pouco.

    Mas da última vez que usei a Saúde 24 e fui encaminhado para a USF, que normalmente funciona bem, fui quase maltratado...

    Fax? está desligado há anos e não temos médicos para urgências a esta hora, vá ao Cactus daqui a 2!

    Respondi muito simpaticamente a questionar porque temos serviços, protocolos e procedimentos se depois era aquilo, ainda bem que tinha saído mais cedo do emprego...

    Enfim, há de tudo, há lobbys, a saúde vale muitos milhões, há muita má gestão, há desleixo, há corrupção e fraude.

    Sim, se minto na declaração da IRS e graças a isso tenho sei lá quantas benesses que não deveria é fraude.

    Mas depois o exemplo vem de cima, e a malta encolhe os ombros e os idiotas somos nós.

    Seja como for, é daqueles assuntos muito importantes que se cruzam na nossa vida, de certeza.

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    1. É sempre uma questão de sorte, não é verdade? Eu tenho a sorte de ter uma médica de família de quem gosto imenso e que me salva sempre que preciso. Mas quantas e quantas pessoas estão anos sem médico de família?...

      Eu sou das que prefere ser idiota, mas honesta. Fazer o quê?!

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  3. Idiota mas honesta, como te entendo!

    E depois há quem olhe para mim com aquele olhar de compaixão pela minha idiotice, e eu olho para essas mesmas pessoas com a nítida sensação de que, no final de contas, a compaixão é minha pela chico-espertice deles. Complicado mas... Enfim! :*

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  4. Lamento informar-te que os melhores equipamentos, profissionais e tratamentos mais avançados já não estão sempre no SNS. Tecnologia robótica é cara, muito cara comparando com abordagens tradicionais, claro que pode trazer imensas vantagens para o paciente mas fica tratado.
    Eu também acho que se paga pouco por saúde em Portugal, por outro lado percebo quem não queira pagar mais, os impostos aumentam mas não vês para onde foi o dinheiro, gente que rouba milhões e anda feliz e contente na sua vidinha como se nada fosse... Enfim.

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    1. Talvez nalgumas áreas, sim. Noutras, há determinados equipamentos que só existem no SNS. Já para não falar dos custos de certos tratamentos no privado, incomportáveis para o comum dos mortais...

      Percebo essa frustração. Mas a minha ingenuidade faz-me achar que se pagássemos mais, teríamos um serviço melhor.

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    2. Na área neo-natal ou de urgências o melhor é o público por norma. Mas a nível de cancro, por exemplo, robótica para cancro na próstata só em particular (milhares de €/cirurgia mas as vantagens são enormes), a fundação Champalimaud para tratamentos oncológicos faz o que em mais lado nenhum consegues, mas nem com seguro de saúde te safas se estiveres mesmo mal e o seguro não cobrir centenas de milhares de € em tratamentos (uma amiga da minha mãe tinha a sorte de ter um seguro com 1milhão por ano para tratamentos oncológicos, comprou-lhe uns anos de vida, mas sabiam que nunca ia ficar boa, mas ela quis esses anos com as filhas dela e tinha um seguro que o permitia)...

      Apesar de ter muita coisa contra o sistema de saúde na Holanda, é muito muito money driven, se encontrares os profissionais certos ou se precisares mesmo eles têm toda a tecnologia (não há hospitais privados, quer dizer há umas clínicas mas no geral é tudo controlado pelo governo), e pago todos os meses 140€ por um seguro básico+extra (franquia anual de 500€) e pagaria mais se me garantisse melhores médicos e melhor prevenção. Mas o estado comparticipa consoante os ordenados, por exemplo se tiveres um ordenado baixo chega a devolver o valor do seguro todo e até gastos de saúde que saiam da franquia.
      Mas as pessoas já acham que pagam impostos demais (que pagam) só que nem todos os pagam, há sempre quem se esquive e isso afecta a população em geral, há classes demasiado beneficiadas (políticos por exemplo), se houvesse melhor gestão e as pessoas vissem o esforço do governo nesse aspecto talvez fossem mais favoráveis a pagar mais. Mas por exemplo, eu tenho uma doença crónica e não sou isenta de coisa alguma! Quando tive diabetes gestacional e tive de andar a medir glucose 3x por dia durante semanas quem pagou as agulhas e as tiras e a máquina fui eu (por causa da fraquia que é obrigatória, acima dessa franquia já só pagas o valor mensal do seguro).
      Não há sistemas perfeitos e eu concordo que maior investimento na saúde traria benefícios enormes e é mesmo necessário porque há falta até de monitores (tenho amigos médicos, ouço muito as frustrações de trabalhar no público), mas terias de garantir que o valor extra que se desconta ia mesmo para a saúde e acho que as pessoas simplesmente não acreditam que assim seria, logo não querem pagar mais.

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    3. É verdade, não há sistemas perfeitos. O de Portugal não só não é perfeito, como está cada dia pior... O que é triste. Cá, a generalidade das pessoas (que pode, obviamente) acaba por pagar um seguro de saúde e desistir completamente do público. Não seria preferível pagarmos esse mesmo valor ao estado e termos um serviço público melhor? Que estado é este que não nos garante o mais básico, a saúde?... A sorte é que mesmo o privado cá é relativamente barato porque, senão, as pessoas iam insurgir-se mais contra o estado da nação...

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    4. Sim, claro que era melhor pagar esse valor ao estado e ter um SNS melhor! Eu concordo contigo mas muita gente ia discordar!
      Tal como acho que se devia pagar muitíssimo mais se fosses a uma urgência sem ter urgência alguma... tipo multa. Talvez assim as urgência não estivessem cheias de pessoas com constipações.

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