E depois há os nós na garganta. A dor no peito. A falta de ar e a asfixia. Os olhos inchados e pesados.
Há aquela sensação de ficar sem chão. Do estômago a querer saltar pela boca. Das pernas a tremerem.
Há aquele momento em que me vejo, como se não fosse eu. Vejo-me de fora e é tudo tão simples e tão claro.
Mas eu sou eu. Eu não sou o que vejo de mim de fora. Eu sou o fora, o dentro, o exterior e as mais profundas entranhas. Eu sou toda uma amálgama de cacos acumulados ao longo dos anos. E esses cacos, com as suas arestas, com os seus brilhos, com os seus cantos afiados, esses cacos fazem de mim o que sou e não posso não os sentir. Eles estão lá. Eles pesam.
Há aquele momento de tomar uma grande decisão. E a minha vontade é enrolar-me como um caracol (como eu detesto caracóis!...), e enfiar-me na minha casca. No meu canto. No meu não me chateiem. É aqui que se distinguem os fortes dos fracos. Os que mudam o Mundo dos que se arrastam. Os que se não se contentam com menos do que tudo e os que se contentam com pouco mais do que nada.
É aquele momento em que eu tenho de revolver as entranhas. De procurar respostas. De fazer perguntas. De chorar baba e ranho se for caso disso. De partir uns pratos. Ou uns copos. Ou a loiça toda. É o momento de espernear, de explodir, de deitar cá para fora tudo o que fui acumulando.
Há uns tempos li ou ouvi qualquer coisa sobre dois tipos de pessoas: as que explodem à mínima coisa, e as que acumulam. Eu sou, claramente, das que acumulam. Acumulo, acumulo, acumulo. Acumulo muito para lá daquilo que consigo aguentar. Mas acumulo. Até ao dia em que expludo. E depois é uma grandessíssima porcaria. Porque quando eu expludo não é bonito. Quando eu expludo não fica nada de pé à minha volta. Nem eu própria. E depois é uma trabalheira limpar e arrumar e voltar a organizar tudo à minha volta.
E eu estou naquele momento em que decido se continuo a acumular mais um bocadinho, só mais um bocadinho, ou se expludo já tudo.
Ao mesmo tempo, estou no momento de decidir qual é a fé que eu tenho nos outros. E isso é deveras complicado. Porque, decida eu o que decidir, estou a definir a minha posição perante o Mundo e os outros. Perante o bem e o mal. E isso, convenhamos, não é uma decisão fácil.
Ou é estupidamente fácil e brutalmente dolorosa.