quarta-feira, 12 de maio de 2010

Da família...

Na minha família não se fala de mariquices mas, de vez em quando, há gestos destes, de ternura escondida, como quem não quer a coisa. Deve-se gostar das pessoas sem lhes mostrar. Deve-se gostar das pessoas sem lhes mostrar? Pelo menos entre nós é assim: não há elogios, não há censuras, raramente há perguntas. Para quê? Há um estar ali que é já tanto. Diz-se sem as palavras e percebe-se que se diz e o que se diz porque o clima, não sei explicar de outra maneira, se torna diferente. Não falamos do que cada um faz: a gente sabe. Do que cada um sente: a gente sabe. Não se fala do sofrimento, não se fala da alegria: a gente conhece. É melhor desta forma. Uma única ocasião o meu pai fez-me uma confidência, sacudiu-a logo com a mão

- Chega de pieguices

e alegrou-me que se penitenciasse por transgredir as regras. Não há efusões, não há gestos e, no entanto, as efusões e os gestos estão lá. Quem souber ver que veja, quem não souber é porque não pertence à tribo. Não há lamentos: porque é que hei-de lamentar a minha sorte, interrogava o grego. Não há censuras, não há críticas, salvo em ocasiões muito, mas mesmo muito, especiais. (...)


Crónica de muito amor, António Lobo Antunes, in Visão (31/03/2010)



Na minha família, é assim. Há quem ache estranho, há quem não compreenda, há quem ache que gostamos menos uns dos outros, só porque não estamos sempre a dizê-lo. Mas eu gosto da minha família assim. Eu sei que posso contar com eles nos momentos bons e nos momentos menos bons. Eu sei isto. E para eu saber isto, não precisamos de o dizer, de nos beijar e abraçar, de falarmos todos os dias. Eu sei. Eu sinto. E isso é suficiente. Mesmo que haja quem não o compreenda.

3 comentários:

  1. Engraçado, talvez seja o tempo a passar por mim, mas cada vez mais sito necessidade de expressar as minhas emoções de tecer elogios, de dizer que gosto de ti de forma gratuita àqueles que amo; de lhes dizer que não gosto, quando algo não me agrada. Talvez porque cada vez sinto mais que o tempo passa rápido e um dia não tenha mais tempo para dizer lhes dizer tudo isto...

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  2. E, às vezes, o sentir é suficiente!!!

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  3. Luarte eu não posso deixar de concordar contigo. Às vezes, adiamos tanto o dizer essas coisas, que depois é tarde demais. Mas nós dizemos, só que de outras formas. Um dia, escrevo aqui o negativo deste texto!

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