domingo, 30 de junho de 2019

Da 40ª Corrida das Fogueiras...

Foi ontem que se realizou a 40ª Corrida das Fogueiras, uma das corridas mais míticas do nosso país e, para mim, a que tem o melhor ambiente (ainda não fui a muitas, pelo que posso estar a ser injusta).

Confesso que a vontade não era muita. A vontade para correr não tem sido muita, na verdade. Não sei se ainda posso usar a desculpa da depressão pós-Maratona, dado que já passaram 2 meses e 2 dias, mas a realidade é que a preguiça tem falado mais alto.

A Serra Amarela  (inserir coração piroso) foi há precisamente duas semanas. Depois disso, eu dei-me uma semana de folga absoluta, e esta semana fiz 4km na segunda-feira, e 5km na terça-feira antes de uma aula no ginásio. E foi isto. Foi isto tudo o que eu treinei nas últimas duas semanas. Juntem a isto o pequeno pormenor de que a última vez que eu tinha feito 15km tinha sido na dita Maratona, e percebem que as Fogueiras tinham tudo para ser uma desgraça.

E eu ia mentalizada para isso. Por curiosidade, fui ver o tempo que tinha feito há dois anos, e sabia que era impossível fazer igual ou melhor. Eu estava plenamente convicta de que não ia ser capaz, sequer, de fazer os 15km seguidos sem parar. E estava meio frustrada com isso, mas tranquila ao mesmo tempo, porque sabia que não havia milagres e ia mesmo era para me divertir e aproveitar o espírito. 

E foi o que aconteceu. Uma pessoa vai sem vontade, fica com menos vontade ainda ao demorar quase uma hora para levantar os dorsais, mas depois chega à zona da partida e é impossível ficar indiferente ao que se vive ali. 

Começa a chegar o ânimo, a energia, a adrenalina, a vontade de voltar a percorrer cada um daqueles 15km. Também começamos a ver caras conhecidas, uma após a outra, todas unidas em torno de um sentimento e um objectivo único: cortar aquela meta.

Fui para a minha caixa, a dos mais lentos, claro, só e abandonada, mas sentia-me tranquila, ao contrário do que aconteceu na Serra Amarela. Porquê? Porque já sabia ao que ia e porque as expectativas estavam tão em baixo, que não havia pressão que me afectasse. Ando a aprender umas coisas, já viram?... 

A prova começou e eu lá fui, naquele mar de gente. Aqueles primeiros quilómetros foram muito confusos e lentos. Mesmo que uma pessoa quisesse correr muito, não dava. A dada altura, olho para a frente e vejo uma camisola a dizer "A Extraterrestre". E era mesmo a ET! Lá trocámos meia dúzia de frases e eu segui, mas ainda fomos perto durante algum tempo, porque não dava mesmo para mais. Fiz o meu segundo quilómetro no estonteante ritmo de 7'04. Se, por um lado, estava a ir demasiado devagar, por outro, aproveitei estes quilómetros iniciais para me poupar e resguardar, para tentar que o corpo não quebrasse tanto, tão cedo. Podia ter-me esforçado para ultrapassar uns quantos atletas e acelerar um pouco, mas sabia que isso ia ser muito desgastante e fui-me deixando estar. Aos poucos, o percurso foi alargando, o pelotão foi-se dispersando e eu consegui melhorar um pouco o ritmo.

A ideia era manter-me lenta qb na primeira metade da prova. Fui mesmo a esforçar-me para não me deixar entusiasmar. E se isso foi difícil! Aquele ambiente, aquele apoio, aquela gente toda a puxar por nós! E eu a tentar retrair-me para não pagar mais tarde a factura...

Os primeiros quilómetros correram bem. Esta é uma prova simpática, mas com algumas subiditas. Não são muito duras, nem muito inclinadas, mas tem algumas mais longas, que se vão fazendo a custo. Curiosamente, não me correram mal. Ia a sentir-me bem, a ouvir a minha música, a agradecer e a aproveitar o apoio de quem assistia à prova, e sempre a controlar o ritmo.

Tinha na minha cabeça que havia de quebrar, mais tarde ou mais cedo. Estava preparada para ter de caminhar, a partir de certa altura. Mas isso não aconteceu. Quando estávamos no quilómetro 7,5, naquela subida que parecia infinita porque olhávamos para longe e víamos os atletas lá à frente a continuar a subir, eu comecei a fraquejar. Mas tocou a música certa no momento certo. "My body tells me no, but I won't quit, 'cause I want more". Foi este o meu mantra para aquela subida, tal como tinha sido no quilómetro 36 de Madrid, e eu cerrei os dentes e lá fui. 

Pela primeira vez na vida, acho que fiz uma gestão inteligente de uma prova. O esforço de me manter lenta na primeira metade da prova, foi altamente compensado na segunda metade. Não é que a malta pró afinal até tem razão com a história dos splits negativos? Não só não quebrei, como consegui ir sempre a aumentar a velocidade nos últimos quilómetros. E como não? Aquela gente levava-nos ao colo!

A parte das Fogueiras, propriamente dita, correu-me bem melhor este ano do que há dois anos. Adoptei a brilhante e de certeza nunca antes vista estratégia de me ir colando a outros atletas que levavam dorsais, e lá fui correndo. Ultrapassei bastante gente aqui. De luz em luz, eu lá ia seguindo. E é mesmo uma experiência indescritível. As fogueiras, o apoio, aquele céu estrelado incrível que não vemos em Lisboa. Dei comigo a correr e sem conseguir tirar os olhos do céu. Podíamos ter tido mais uma queda épica. Mas até correu bem.

Quilómetro após quilómetro. O tempo passava, os quilómetros passavam, e eu só pensava que a coisa até estava a correr bem. Quilómetro 10. Segundo abastecimento. Só faltava um terço da prova. Estava quase. 

Sabia que os últimos quilómetros custavam mais, lá pelo meio de uns prédios e com umas subiditas. Mas continuei a tentar não quebrar. O quilómetro 12 e 13 custaram-me bastante. Parecia que tinha ficado sem energia e estava com uma dor parva no fundo das costas. Senti-me a esmorecer e nem nas descidas me sentia bem. Curiosamente, não é isso que os ritmos reflectem.

13km feitos. Só faltam dois. Entramos na rua onde tínhamos deixado o carro, e eu penso no irónico que é passar mesmo ao lado do meu carro e não poder lá ficar. A rua era a descer e eu começo a ver lá ao fundo um vulto que me parece familiar. Era ele! O louco-mais-louco-do-que-eu, que já tinha feito a prova dele, já tinha ido ao carro trocar de roupa e tinha lá ficado à minha espera, já de mochila às costas, para depois já irmos directos para a sardinhada. 

Foi o boost que eu precisava, para meter uma abaixo e ir por ali fora em direcção à meta. Fiz os últimos quilómetros nem sei como, a ultrapassar mais uns quanto atletas, de sorriso no rosto com o apoio incansável à minha volta, e ainda a ouvir os incentivos do N., do João Lima e de uns colegas de equipa que já tinham acabado. Fiz um sprint final e cortei a meta... Nem vi quanto tempo fiz. A dada altura da prova, tinha percebido que não ia fazer o que queria (abaixo da 1h35), e deixei de me preocupar com isso. Quando acabei a prova, cumprimentei umas caras conhecidas, nomeadamente o Sr. Arlindo e outro companheiro da grande luta que foi a Maratona de Aveiro. Curiosas estas relações que vamos criando, de pessoas de quem nada sabemos, mas com quem partilhamos estes momentos e lutas. 


Passado algum tempo, lá vi o meu tempo: 1h36m33s. Mais 4 minutos do que há 2 anos. Se gostava de ter feito melhor? Gostava, mas sabia que era impossível e, por isso, só podia ficar satisfeita com o meu resultado. Eu estava convencida de quem nem ia fazer tudo a correr, Senhores! Mas fiz! Fiz e a sentir-me bem! O que é que eu podia pedir mais? 


Para quem anda por aí a espalhar o boato de que eu sou mesmo feliz é nos trails... Ontem também fui feliz em estrada. Muito feliz. Mas, também, quem é que não é feliz nas Fogueiras?

quinta-feira, 27 de junho de 2019

Da Serra Amarela Sky Marathon... - III

Quando o Filipe Torres falou maravilhas da Serra Amarela Sky Marathon o ano passado, eu fiquei logo de olho na prova. Claro que não disse nada cá em casa, que já sei como as coisas são, e, salvo raras excepções, a gestão do calendário de provas é feita por ele e não por mim. Não é por nada. É mesmo porque eu sou muito básica e, por mim, qualquer coisa está bem. Já ele, tem planos, tem objectivos, e, obviamente, tem o UTMB este ano.

No entanto, um belo dia, ele falou-me na prova... E eu disse logo que sim, com a condição de ser eu a escolher onde íamos ficar a dormir. E claro que também copiei a sugestão do Filipe! Como já disse por aqui, ficámos no Lima Escape, onde fomos vizinhos do Filipe e da sua família. E adorámos!

É mesmo um pedaço de céu! Ficámos num dos bungalows de madeira, que são autênticas casas na árvore, de onde só vemos as árvores e o rio lá em baixo. Nunca tinha ficado num sítio assim, e acho que é daquelas coisas que temos mesmo de experimentar uma vez na vida. A sensação de paz e tranquilidade, ali no meio da Natureza, é mesmo impagável.

Fomos na sexta-feira de manhã bem cedo, porque já que íamos fazer 400km, queríamos aproveitar o mais possível. Parámos em Ponte de Lima, que eu não conhecia, para almoçar, e eu lembrei-me logo do que era comer no Norte: esperavam-me dias de muita engorda e muito vinho verde.


Gostei de Ponte de Lima. Eu gosto sempre de cidades e vilas com rios, sou muito fácil nesse aspecto. Ainda passeámos um bocadinho a pé, passámos por parte do Caminho para Santiago de Compostela, e até passámos à porta de um albergue, onde o louco-mais-louco-do-que-eu ficou, quando fez o Caminho. Inevitável não me emocionar com aquele ambiente, com os peregrinos à espera que a porta abrisse, com as homenagens aos peregrinos e com toda aquela atmosfera. Um dia, quero mesmo fazer o Caminho.




Seguimos viagem até Entre Ambos-os-Rios, fomos descobrir a nossa casa na árvore e, claro, aproveitámos para uma pequena sesta. 



Ao fim da tarde, fomos fazer um mini treino, que foi mais um passeio fotográfico do que outra coisa. Já tinha andado a ver que percursos é que havia ali perto, e optámos pelo Trilho do Megalitismo. E foi bem giro! Vimos várias antas, vimos gravuras rupestres, pusemos a pata na poça, vimos vacas e cavalos! Toda uma emoção, para nos dar um cheirinho do que seria a nossa prova de Domingo.






À noite jantámos em Ponte da Barca, um bacalhau divinal, e fomos descansar relativamente cedo, que a idade não dá para mais.


Sábado tínhamos mil e um planos! Começámos o dia com um pequeno-almoço na nossa varanda, lento e sem pressas, e depois seguimos caminho.


Fomos em direcção a Soajo, ver os espigueiros, e depois fomos até Lindoso, passando pela barragem, ver mais espigueiros e o Castelo, que merece uma visita, pelo seu muito bom estado de conservação e pela vista desafogada.











A paragem seguinte já foi em Espanha, nos banhos quentes de Lobios. Eu nunca tinha experimentado tal coisa mas aquilo é maravilhoso, Senhores! Quando lá cheguei, fiquei a olhar para aquele "tanque" ali no meio com um ar desconfiado, e aquela coisa de me estar a despir no meio da rua causou-me uma certa estranheza, mas as pessoas lá dentro pareciam felizes e lá pusemos de lado as hesitações e fomos mesmo experimentar. E ainda bem! A água estava mesmo quente. Com o fresco que se fazia sentir cá fora, aquela água quente ainda sabia melhor! Só tínhamos de ter cuidado para não nos aproximarmos das saídas da água, porque a água estava mesmo, mesmo quente e corríamos o risco de nos queimarmos... Mas soube tão bem! Foi uma experiência muito curiosa para mim, que nunca tinha feito nada daquele género. Claro que não aguentei lá muito tempo e comecei com as típicas tonturas de quem tem tensão de piriquito. Mas, mesmo assim, soube bem e valeu a pena! Seguiu-se um almoço numa bela tasca em terras de nuestros hermanos.



A paragem seguinte seria a última: Portela do Homem, para vermos a respectiva cascata. Parámos o carro à entrada do Parque do Gerês e fizemos umas centenas de metros a pé para lá chegar, em que nos sentimos noutra dimensão. O Gerês é mesmo incrivelmente bonito e aquele verde todo não deixa ninguém indiferente. A cascata em si é magnífica e ficámos com uma certa inveja de quem se estava a banhar naquela água tão cristalina mas que devia estar gelada... Sou mais pessoa de banhos quentes, mesmo que não os aguente!



Era hora de regressarmos à nossa casinha, e de irmos levantar os dorsais. O resto da tarde foi para preparar tudo para a prova e para algum descanso, e fomos jantar a um italiano em Ponte da Barca, para nos enchermos de massas e hidratos, como uma refeição pré-prova exige.




Depois do jantar ainda tivemos direito a um concerto de tributo aos Queen, no recinto onde no dia a seguir seria o início e o fim da prova. Ainda deu para rir, para cantar, e para descontrair um pouco para o dia seguinte. Claro que muitas das pessoas que lá estavam iam fazer a prova no dia seguinte, pelo que a festa foi curta... Mas foi uma boa surpresa!

Era chegada a hora de ir dormir... E no dia seguinte já vocês sabem o que aconteceu!

Gostei mesmo muito de toda a experiência, do sítio onde dormimos, da Serra Amarela e daquela parte do Gerês que não conhecia. Temos tanta coisa incrível no nosso país e estas escapadinhas sabem-me sempre bem!

domingo, 23 de junho de 2019

Das fotografias que dão alegria... - Day 174


Foi há uma semana que fiz a Serra Amarela. E hoje partilho aqui esta fotografia para que possa voltar sempre a ela. Uma e outra vez. Sempre que precisar de me lembrar por que motivo corro, vou olhar para esta foto, para este sorriso que trago estampado no rosto e que é o sorriso genuíno de quem está feliz no que está a fazer, vou lembrar-me do que senti e do que vivi. Foi mesmo uma prova única. Impossível resistir a Amar[ela], como tão bem diz a organização! 

sábado, 22 de junho de 2019

Das fotografias que dão alegria... - Day 173


Dos melhores percebes de sempre. 

Da animação que é viver com um daltónico... - III

Enquanto corria pela Serra Amarela fora, lembrei-me do meu daltónico preferido. Lembrei-me de uma prova anterior em que ele se tinha queixado da dificuldade em identificar as fitas marcadoras do seu percurso, por causa da sua côr. Já não me lembrava ao certo qual era a côr que tinha gerado confusão, mas pensei para mim que esperava que tudo estivesse a correr bem com aquelas fitas, pois, para mim, o percurso parecia-me extremamente bem marcado (ocorreu-me mesmo que podia até haver quem achasse que estava exageradamente marcado, porque há sempre quem goste de criticar só porque sim).

Pois que não. Se lhe perguntarem, ele não achou o percurso nada bem marcado, teve várias vezes dificuldades em saber por onde seguir, e houve inclusivamente uma situação em que só se conseguiu orientar porque passou por ele um atleta em modo muito acelerado, que, sem a mínima hesitação, seguiu caminho, mostrando-lhe por onde devia ir.

Este é um dos momentos em que ser daltónico não é só uma coisa gira, com a qual eu posso gozar por aqui e por aí. Ser daltónico também é... [inserir música de fundo dramática] Uma questão de vida ou de morte! Ou quase, vá...Pode ser, de facto, uma questão de segurança. Não imagino o desespero dele em algumas situações, mas pelo que me contou, a coisa não foi fácil... E eu fico aflita por ele! Porque nunca passei por isso e não imagino o que seja.

Claro que lhe disse que podia enviar um email à organização, de forma simpática e cordial, a explicar a situação. Porque acredito, piamente, que quem escolhe as cores das fitas para fazer marcações de percursos em prova, não se lembre sequer deste pequeno pormenor. Se não fosse ter um daltónico ao lado, eu jamais me lembraria!... Só quando convivemos com as situações é que elas ganham relevância para nós. Mas também acredito que, em sendo sensibilizadas para esta questão, algumas organizações pudessem optar por fitas de outras cores, porque não lhes faria grande diferença.

Pelos vistos, as fitas alaranjadas confundem-se muito no meio da folhagem. Quer-me parecer que ele vê tudo entre o verde e o castanho, mas a verdade é que não sei ao certo, porque discutir cores com um daltónico é assim a modos que discutir física quântica (para mim, talvez não para ele). Ainda há dias lhe perguntei o que achava da minha cor nova de verniz, e depois de ele me dizer que era gira, perguntei-lhe se sabia que cor era. Não sabia. Claro que não sabia. 

Entretanto, fui investigar um pouco sobre o tema (viva o Google!). Parece que existem vários tipos de daltonismo, e o mais comum é mesmo o que gera confusão entre os verdes e os vermelhos. Encontrei estas imagens:


Quero acreditar que isto possa estar um pouco exagerado, ou que possa representar uma situação de extremos. Não quero acreditar que o meu daltónico vê mesmo o mundo assim, porque isso seria demasiado triste e deprimente... Mas fica explicado porque é que as fitas laranjas não funcionam para ele!... Imaginem andar no meio daquele verde todo e daquela folhagem toda, à procura de fitas alaranjadas?...

Acho que vou deixar de gozar com ele por ser daltónico!... Ou talvez não.

quinta-feira, 20 de junho de 2019

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Das fotografias que dão alegria... - Day 170


Há só uma grade fechada, 
e toda a cidade lá fora... 

Da Serra Amarela Sky Marathon... - II

Como talvez tenha exagerado no post anterior, e para quem não tenha paciência para ler tudo, deixo o resumo, por tópicos:
  • Foi espectacular;
  • Estava super nervosa e tive medo de não ser capaz porque nunca tinha feito nada assim;
  • Mas cortei a meta em 4h38 e qualquer coisa;
  • Dei uma queda digna de ser filmada, mas sobrevivi e resta-me um joelho e um braço cheios de arranhões;
  • Não encontrei lobos, nem vacas, nem cavalos (devia ter ido a uma distância maior, que a minha nisso foi um tédio... Só lagartixas!);
  • Deram vinho no final e muita comida boa nos abastecimentos;
  • Encontrei por lá malta porreira deste mundo da blogoesfera;
  • A prova é muito gira, bem organizada, difícil e desafiante como se quer, sem ser desesperante;
  • Já atravessei rios suficientes para os próximos 5 anos;
  • Ainda me doem os braços;
  • Já disse que foi espectacular? 

terça-feira, 18 de junho de 2019

Da Serra Amarela Sky Marathon... - I

Eu juro que no Domingo, enquanto corria, iam surgindo na minha mente mil e uma frases para vir depois aqui escrever, contando cada detalhe da Sky Race de 23km da Serra Amarela Sky Marathon. O certo é que, entre ontem (quando comecei a escrever o relato) e hoje, não me ocorre nada.

Talvez o facto de estar terrivelmente cansada não ajude. No Domingo foram quase 400km para regressar a casa, chegámos já passava das 22h, deitámo-nos tarde, tive pesadelos, e quando o despertador tocou eu não queria acreditar. Aliás, comecei o dia a pensar que podíamos fazer uma petição ao Governo para dar a 2ª feira a quem, comprovadamente, tenha feito provas ao Domingo (com critérios a definir oportunamente). 

A Serra Amarela foi... A prova mais dura que já fiz. Ou, pelo menos, foi isso que eu achei enquanto lá andei. E sim, eu só fiz os 23km. Só? Só, é como quem diz... Que eu nunca tinha feito 23km em trail, muito menos numa sky race (para dissertações entre as diferenças de ambas as modalidades, perguntai ao Tio Google). Disclaimer muito esclarecedor: eu demorei 4 horas e 38 minutos a fazer aqueles 23km. Conheço muito boa gente que faz maratonas mais depressa. Eu própria, quase fiz a Maratona de Madrid mais depressa. Aqui se prova que um quilómetro não mede sempre os mesmos 1000 metros. Aqueles 23km não tinham só 23km. Isso é certo.

Não era um perfil bonito?

Mas aqueles 23km tinham tanta coisa lá dentro!... Eu gostava mesmo de ser capaz de pôr em palavras tudo o que vivi e senti. Mas, desta vez, não sou capaz. Vou ponderar levar um gravador numa próxima prova deste género, para depois transcrever tudo para aqui. Passou-me tanta coisa pela cabeça!

Comecemos pelo princípio: eu estava nervosa. Tinha ido assistir à partida dos 48km, não só porque estavam lá o Filipe Torres, o Perneta e a sua Pikinita, mas sobretudo porque o louco-mais-louco-do-que-eu também ia fazer essa distância (assim se comprova a verdade do que lhe chamo). Mal eles partiram, regressei ao Lima Escape para acabar de arrumar tudo (quem é que se põe a lavar loiça antes de uma prova?...), fazer o check-out e garantir que não me faltava nada. 

 Regressei ao ponto de partida das provas e aconteceu aquilo que me acontece, por vezes, quando começo provas sem companhia: senti-me perdida e sozinha. Os nervos não ajudavam, claro. Nunca tinha feito nada assim. Sabia que me esperava uma prova dura. Tinha passado os últimos dias a ouvir um briefing insistente sobre os perigos da prova, os cuidados que tinha de ter, a gestão que tinha de fazer. Eu sabia isso tudo. E, confesso, pouco antes da prova começar, passou-me pela cabeça fazer apenas os 15km. Durante uns instantes, passou-me pela cabeça que eu não ia ser capaz de fazer os 23km, que aquilo não era para mim e que eu estar ali era um disparate tremendo de quem tem a arrogância de achar que consegue fazer o que os outros fazem. Este drama mental durou uns instantes e passou. Felizmente.

Ar de quem não sabe o que ali está a fazer...

A prova começou e eu deixei-me ir onde me sinto bem: no final do pelotão. Ao fim de nem um quilómetro, eu olhei para trás e não vi ninguém atrás de mim. Confesso que deprimi um bocadinho e senti que os meus receios estavam certos: aquilo não era para mim, eu era a última e iam ser 23km sozinha a sofrer. Felizmente, passaram-se mais uns metros e eu comecei a ver mais gente que ainda lá vinha. Ufa! Não estava assim tão mal! E não, não digo isto com desprimor para quem vai nos últimos lugares (já vos digo em que lugar acabei), digo isto porque, para mim, naquele momento, a ideia de ir sozinha no final da prova me assustou bastante.

Muitos e variados cursos de água...




Vamos embora que isto é sempre a subir!



Os primeiros quilómetros foram relativamente calmos, a subir mas pouco, permitindo que o corpo fosse aquecendo. Mas isso só durou até aos 4,5km e depois seguiu-se uma subida muito simpática, na qual parei muitas vezes para tirar fotografias (e para respirar...), que só deu tréguas na Ermida, onde estava o primeiro abastecimento. 


Abastecimento esse onde eu parei, com toda a calma do Mundo, onde comi e bebi, onde enchi os dois flasks, e de onde arranquei sabendo que ainda ia subir mais um bocadinho, e depois ia ter uma descida para (tentar) recuperar.



E bem aproveitei a descida, que foi quase toda em estrada! Deixei-me ir, a ritmos doidos (para mim), ignorando os sinais que diziam "trave com o motor - 10% de inclinação". 

A parte gira foi que, depois dessa descida, e já a meio da subida de 3km que se seguiu, e que me ia levar ao ponto mais alto da minha prova, aos 11km, eu ia feliz e contente a pensar que até me sentia bem, que a coisa até não estava a correr mal, e que aquilo até era giro. Ah! A ingenuidade! Eu ainda nem a meio ia e já achava que a coisa estava feita!... Santa ignorância!

Atletas muito pequeninos lá em baixo!


Não há fotos que façam justiça à beleza e à imponência daquela Serra...

2h15 para 11km? Vais mesmo bem...

Mas ainda conseguia pseudo-sorrir!
Cheguei ao cimo do monte, com 11km, e aos 700m de altitude, tirei umas fotos, e aproveitei os 2km que se seguiam até ao abastecimento de Germil, que eram ligeiramente a subir, mas nada do outro mundo.

O meu telemóvel ganhou vida própria e tenho dezenas de fotos assim!

Novo filtro do Instagram: bolso de mochila de trail.


Sempre dá uma perspectiva interessante sobre os trilhos nesta fase.

Os meus ritmos andaram sempre no limiar do miserável, mas eu achava que, de facto, me estava a esforçar. Quero dizer, mais ou menos. Mas na minha cabeça, eu achava que sim. A partir dos 13km começava a descida, em direcção a Germil, permitindo-me ir num trote ligeiro. 

Germil. Mais um abastecimento. Uma fonte simpática para me refrescar. Tentei não exagerar na comida e preocupei-me sempre mais com a hidratação. Tinha como objectivo beber os dois soft flasks entre cada abastecimento, e ainda beber alguma coisa da camelbak nos entretantos. Comi laranja, melancia, tostas com marmelada, batatas fritas... Não tive coragem para atacar o chocolate nem a aletria, mas talvez numa próxima arrisque. Perdi algum tempo nos abastecimentos, sim. Mas não estava propriamente com pressa, não é verdade?...


Já não sei ao certo quando foi a primeira vez em que aconteceu, mas a dada altura começa a ser frequente termos de pôr a pata na poça. Literalmente. Da primeira vez eu ainda fiquei a olhar de lado, a pensar em alternativas, a tentar evitar o inevitável. Mas teve de ser, não é verdade? Nada como andar a chapinhar em poças e depois andar uns quantos metros com os pés a chocalhar água...

Hora de lavar os ténis?


Na foto de cima, que não é a melhor, vemos o momento em que eu cheguei a este ponto e fiquei parada sem perceber para onde era o caminho. Pois que o caminho era por cima desta barreira de paus e pedras, que eu tive de saltar, aterrando, literalmente, em cima de um curso de água, que descia por ali abaixo e que eu tive de seguir durante uns metros, por não ter outra opção. Depois disto, eu achei que estava preparada para tudo...

Lá segui viagem, e continuava a descida. A descida não era fácil, com muita pedra solta. Não muito depois do abastecimento, uma atleta deitada no chão. Tinha acabado de cair. Já tinha trocado umas palavras com ela e com a amiga dela, porque tínhamos andado mais ou menos próximas durante algum tempo, mas elas tinham arrancado mais cedo no abastecimento de Germil. Tentei ajudar no que pude, mas ela parecia bem, tirando os arranhões (que não eram bonitos...), e acabou por insistir para seguirmos viagem. E eu segui. Encontrei-a horas depois, e soube que tinha acabado a prova! Menos mal! 

Estas coisas mexem sempre um bocado comigo, porque eu sou aquela pessoa que em cada prova de trail pensa 137 vezes no perigo que é andar ali no meio de lado nenhum. Estou sempre muito consciente de que se me acontecer alguma coisa, pode demorar muito tempo até que alguém me possa ir ajudar, e é (também) por isso que levo sempre a casa toda atrás, mesmo quando não há material obrigatório. Nunca precisei, mas prefiro andar prevenida!

Continuemos.

Descida e mais descida, em que, mesmo assim, eu não me consegui soltar muito. Aquelas descidas não foram feitas para pessoas de metro e meio. Ponto. 

Aos 15,5km, mais coisa menos coisa, acabou-se a brincadeira da descida e chegou a última grande subida da prova: foram talvez uns 500 metros que pareceram 2 ou 3km... Aquela subida não tinha fim, Senhores! E era mesmo, mesmo, mesmo inclinada! Uma pessoa olhava para cima e nem a via bem a acabar. Mas, eventualmente, ela acabou. E só faltavam 7km que seriam, essencialmente, a descer!

E lá fui eu! Acho que foi a partir daqui que comecei a ir mais sozinha. Consegui passar uma ou outra pessoa com quem tinha andado durante alguns períodos de tempo, e comecei a ficar isolada, sendo ultrapassada de vez em quando por atletas de outras distâncias. Tenho sempre sentimentos contraditórios em relação a ir sozinha. Se, por um lado, gosto de ir só eu e os meus pensamentos, por outro, vou sempre mais receosa, mais concentrada à procura das marcações, e mais facilmente fico a olhar feita parva para certas partes do percurso em que não faço ideia como vou conseguir avançar (sky race, lembram-se?).

No abastecimento da Paradela, aos 18km, fui mais rápida, e já só enchi um dos flasks, porque já só faltavam 5km. Queria mesmo era despachar-me e chegar ao fim!

Algures durante a semana que passou, eu achei que podia definir como objectivo para mim mesma fazer a prova em 4 horas. Parecia-me razoável: 23km em 4 horas. Ridículo para o mundo em geral, mas razoável para esta pequena lontra. Claro que não precisei de muito para, durante a prova, perceber que isso era impossível. Nem a descer eu estava a conseguir compensar! Quando saí deste abastecimento percebi que tinha 25 minutos para fazer 5km. Ora, nesta fase da minha vida, eu tenho dificuldade em fazer 5km em estrada em menos de 25 minutos, quanto mais em trail!... Curiosamente, não fiquei particularmente chateada com essa constatação. Estava a sentir-me bem, só estava semi-cansada, e queria era chegar ao fim inteira.


A descida continuava, e as travessias de cursos de água também. Escusado será dizer que, a partir de certa altura, deixei de me preocupar muito. Não havia nada a fazer, mais valia ir andando, com ou sem água... Eu só pensava para mim mesma que, quem me vê noutros contextos, certamente tem dificuldade em imaginar-me naquelas figuras!... 

Sabia que os últimos 3/4km seriam mais calmos, em single tracks verdejantes e junto ao rio. Não sabia era que ia andar a atravessar o rio de um lado para o outro, agarrada a cordas! Logo no primeiro atravessamento com cordas estava um Senhor muito simpático, a explicar-me o que devia fazer, e a dizer-me que a água só dava pelo joelho. Tentei explicar-lhe que o joelho dele não era igual ao meu... Cheguei a ter água pelo meio da coxa, Senhores! Eu sou baixinha! Claro que para quem tem um metro e oitenta aquilo é fácil... Para mim, não tanto assim!... Mas lá fui. Uma vez, outra vez, e outra, e outra. Ao fim de 4 ou 5, deixei de contar. Não valia a pena, não é verdade? Também não vamos falar sobre as pedras gigantes que eu tive de subir, ainda não sei como, agarrada a mais cordas... Só para ajudar a visualizar a coisa, o louco-mais-louco-do-que-eu perguntou-me se eu tive pessoas a ajudar-me nessas partes, porque ao passar por lá imaginou como é que eu me teria safado!... Com muito trabalho de braços, foi o que foi! Deve ser por isso que hoje também os braços me doem!...

A prova seguiu-se, quilómetro após quilómetro, e eu a achar que já estava quase, que até estava bem, até ia a correr naqueles quilómetros finais, e não tinha caído vez nenhuma, ao contrário da pobre rapariga que tinha visto estendida. Já nem ia a tirar muitas fotos, concentradíssima em chegar ao final.

Eis senão quando, aos 21,8km e já quase no fim da prova... Tropeço nem sei bem em quê, desequilibro-me para a frente, em câmara lenta acho que me estou a conseguir equilibrar, estou quase recuperada, mas afinal não consigo levantar o tronco, e vou directa ao chão... Consigo amparar minimamente a queda, mas a modos que fico em modo prancha, de cara colada de lado no chão, fofamente assente em ervas secas... Numa fracção de segundo percebo o que me aconteceu, avalio os danos e levanto-me. Olho à volta e não vejo ninguém, feliz ou infelizmente. Olho para as mãos, estavam sujas mas com uns meros arranhões, nos braços mais uns quantos arranhões, depois levo as mãos à cara e parece-me que só sinto terra e poeiras, baixo-me para ver os joelhos, e percebo que o esquerdo tem uma nova marca de guerra. Vá lá, calhou praticamente em cima da que já lá estava do trail da Ericeira de há 2 anos. O joelho doía-me, mas parecia suportável e eu não tinha outra hipótese senão seguir em frente. Gostava mesmo de ter assistido à minha própria queda! É que foi mesmo lenta e acabou comigo completamente estendida no chão!... Para a próxima já sei: não lançar foguetes antes da meta.

Com mais ou menos dores, lá segui para o que me faltava. Aproveitei a vigésima quinta travessia de rio para lavar as feridas, literalmente, e para lavar a cara. Não queria cortar a meta com a cara cheia de terra e assustar as pessoas, não é verdade?... 

Ainda passei por mais uma travessia de água com cordas, onde estava um fotógrafo muito simpático. Estou curiosa para ver essas fotos, comigo quase em pontas, para me conseguir agarrar ao raio da corda!...

Estava quase, eu nem acreditava... Continuava no meu trote devagar-quase-parado, entrei em Entre Ambos-os-Rios e numa parte de estrada. O apoio de quem estava por lá obrigou-me a fazer tudo a correr, mesmo sendo a subir. Como não podia deixar de ser, havia uma parte final pelo meio do mato, com mais uma subida simpática, só para acabar em grande. No cima dessa subida, um grupo a bater palmas e a gritar palavras de incentivo. Últimos 100 metros, um mini esforço ao entrar na passadeira vermelha, e cortar a meta com 4h38m42s. Uma barbaridade de tempo. Mas o meu tempo. O tempo que eu precisei para fazer aqueles 23km, ao meu ritmo.


Podia ter feito menos uns minutos, se tivesse parado menos tempo nos abastecimentos, se tivesse tirado menos fotos, se não tivesse parado para ajudar a rapariga que caiu. Mas valeria a pena? Não. Tenho a certeza que não.

No fim, acabei a prova feliz. A sentir-me bem. Estupefacta comigo mesma por ter conseguido. E acreditem, houve vários momentos em que eu achei que não ia conseguir. Curiosamente, esses momentos foram antes da prova. Durante a prova, e ao contrário do que já aconteceu noutras ocasiões e noutras provas, não me passou pela cabeça que não fosse conseguir ou que queria desistir. Tirando aquele drama inicial, depois de lá estar, eu não parei para pensar em outra coisa que não fosse cortar aquela mata. E cortei. Fiquei na posição 196, em 208 finishers, e fiz mais 38 minutos do que o meu objectivo inicial. E não faz mal. Porque acabei. Porque cortei a meta. Porque me diverti e me senti bem. 

Como escrevi mal acabei a prova, ainda a quente, foi provavelmente a prova mais dura que já fiz. Foi uma prova que exigiu de mim um esforço físico que não sabia ser capaz de fazer, mas também um esforço mental, para não quebrar, para não desistir, para não baixar os braços (literal e figurativamente).


Quanto à prova em si, gostei muito. Não tenho nada a apontar à organização. Percurso bem marcado, bons abastecimentos, garrafa de vinho no final, percurso técnico e exigente como se espera de uma sky race, mas incrivelmente bonito e divertido qb. Não mudem nada, que está muito bem assim! Para quem tiver curiosidade, podem ver o vídeo oficial aqui.

Agora? Agora é descansar o corpo... Só faltam duas provas para o fim da época, e o 2º semestre será, espera-se, bem mais calmo!

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