Foi ontem que se realizou a 40ª Corrida das Fogueiras, uma das corridas mais míticas do nosso país e, para mim, a que tem o melhor ambiente (ainda não fui a muitas, pelo que posso estar a ser injusta).
Confesso que a vontade não era muita. A vontade para correr não tem sido muita, na verdade. Não sei se ainda posso usar a desculpa da depressão pós-Maratona, dado que já passaram 2 meses e 2 dias, mas a realidade é que a preguiça tem falado mais alto.
A Serra Amarela (inserir coração piroso) foi há precisamente duas semanas. Depois disso, eu dei-me uma semana de folga absoluta, e esta semana fiz 4km na segunda-feira, e 5km na terça-feira antes de uma aula no ginásio. E foi isto. Foi isto tudo o que eu treinei nas últimas duas semanas. Juntem a isto o pequeno pormenor de que a última vez que eu tinha feito 15km tinha sido na dita Maratona, e percebem que as Fogueiras tinham tudo para ser uma desgraça.
E eu ia mentalizada para isso. Por curiosidade, fui ver o tempo que tinha feito há dois anos, e sabia que era impossível fazer igual ou melhor. Eu estava plenamente convicta de que não ia ser capaz, sequer, de fazer os 15km seguidos sem parar. E estava meio frustrada com isso, mas tranquila ao mesmo tempo, porque sabia que não havia milagres e ia mesmo era para me divertir e aproveitar o espírito.
E foi o que aconteceu. Uma pessoa vai sem vontade, fica com menos vontade ainda ao demorar quase uma hora para levantar os dorsais, mas depois chega à zona da partida e é impossível ficar indiferente ao que se vive ali.
Começa a chegar o ânimo, a energia, a adrenalina, a vontade de voltar a percorrer cada um daqueles 15km. Também começamos a ver caras conhecidas, uma após a outra, todas unidas em torno de um sentimento e um objectivo único: cortar aquela meta.
Fui para a minha caixa, a dos mais lentos, claro, só e abandonada, mas sentia-me tranquila, ao contrário do que aconteceu na Serra Amarela. Porquê? Porque já sabia ao que ia e porque as expectativas estavam tão em baixo, que não havia pressão que me afectasse. Ando a aprender umas coisas, já viram?...
A prova começou e eu lá fui, naquele mar de gente. Aqueles primeiros quilómetros foram muito confusos e lentos. Mesmo que uma pessoa quisesse correr muito, não dava. A dada altura, olho para a frente e vejo uma camisola a dizer "A Extraterrestre". E era mesmo a ET! Lá trocámos meia dúzia de frases e eu segui, mas ainda fomos perto durante algum tempo, porque não dava mesmo para mais. Fiz o meu segundo quilómetro no estonteante ritmo de 7'04. Se, por um lado, estava a ir demasiado devagar, por outro, aproveitei estes quilómetros iniciais para me poupar e resguardar, para tentar que o corpo não quebrasse tanto, tão cedo. Podia ter-me esforçado para ultrapassar uns quantos atletas e acelerar um pouco, mas sabia que isso ia ser muito desgastante e fui-me deixando estar. Aos poucos, o percurso foi alargando, o pelotão foi-se dispersando e eu consegui melhorar um pouco o ritmo.
A ideia era manter-me lenta qb na primeira metade da prova. Fui mesmo a esforçar-me para não me deixar entusiasmar. E se isso foi difícil! Aquele ambiente, aquele apoio, aquela gente toda a puxar por nós! E eu a tentar retrair-me para não pagar mais tarde a factura...
Os primeiros quilómetros correram bem. Esta é uma prova simpática, mas com algumas subiditas. Não são muito duras, nem muito inclinadas, mas tem algumas mais longas, que se vão fazendo a custo. Curiosamente, não me correram mal. Ia a sentir-me bem, a ouvir a minha música, a agradecer e a aproveitar o apoio de quem assistia à prova, e sempre a controlar o ritmo.
Tinha na minha cabeça que havia de quebrar, mais tarde ou mais cedo. Estava preparada para ter de caminhar, a partir de certa altura. Mas isso não aconteceu. Quando estávamos no quilómetro 7,5, naquela subida que parecia infinita porque olhávamos para longe e víamos os atletas lá à frente a continuar a subir, eu comecei a fraquejar. Mas tocou a música certa no momento certo. "My body tells me no, but I won't quit, 'cause I want more". Foi este o meu mantra para aquela subida, tal como tinha sido no quilómetro 36 de Madrid, e eu cerrei os dentes e lá fui.
Pela primeira vez na vida, acho que fiz uma gestão inteligente de uma prova. O esforço de me manter lenta na primeira metade da prova, foi altamente compensado na segunda metade. Não é que a malta pró afinal até tem razão com a história dos splits negativos? Não só não quebrei, como consegui ir sempre a aumentar a velocidade nos últimos quilómetros. E como não? Aquela gente levava-nos ao colo!
A parte das Fogueiras, propriamente dita, correu-me bem melhor este ano do que há dois anos. Adoptei a brilhante e de certeza nunca antes vista estratégia de me ir colando a outros atletas que levavam dorsais, e lá fui correndo. Ultrapassei bastante gente aqui. De luz em luz, eu lá ia seguindo. E é mesmo uma experiência indescritível. As fogueiras, o apoio, aquele céu estrelado incrível que não vemos em Lisboa. Dei comigo a correr e sem conseguir tirar os olhos do céu. Podíamos ter tido mais uma queda épica. Mas até correu bem.
Quilómetro após quilómetro. O tempo passava, os quilómetros passavam, e eu só pensava que a coisa até estava a correr bem. Quilómetro 10. Segundo abastecimento. Só faltava um terço da prova. Estava quase.
Sabia que os últimos quilómetros custavam mais, lá pelo meio de uns prédios e com umas subiditas. Mas continuei a tentar não quebrar. O quilómetro 12 e 13 custaram-me bastante. Parecia que tinha ficado sem energia e estava com uma dor parva no fundo das costas. Senti-me a esmorecer e nem nas descidas me sentia bem. Curiosamente, não é isso que os ritmos reflectem.
13km feitos. Só faltam dois. Entramos na rua onde tínhamos deixado o carro, e eu penso no irónico que é passar mesmo ao lado do meu carro e não poder lá ficar. A rua era a descer e eu começo a ver lá ao fundo um vulto que me parece familiar. Era ele! O louco-mais-louco-do-que-eu, que já tinha feito a prova dele, já tinha ido ao carro trocar de roupa e tinha lá ficado à minha espera, já de mochila às costas, para depois já irmos directos para a sardinhada.
Foi o boost que eu precisava, para meter uma abaixo e ir por ali fora em direcção à meta. Fiz os últimos quilómetros nem sei como, a ultrapassar mais uns quanto atletas, de sorriso no rosto com o apoio incansável à minha volta, e ainda a ouvir os incentivos do N., do João Lima e de uns colegas de equipa que já tinham acabado. Fiz um sprint final e cortei a meta... Nem vi quanto tempo fiz. A dada altura da prova, tinha percebido que não ia fazer o que queria (abaixo da 1h35), e deixei de me preocupar com isso. Quando acabei a prova, cumprimentei umas caras conhecidas, nomeadamente o Sr. Arlindo e outro companheiro da grande luta que foi a Maratona de Aveiro. Curiosas estas relações que vamos criando, de pessoas de quem nada sabemos, mas com quem partilhamos estes momentos e lutas.
Passado algum tempo, lá vi o meu tempo: 1h36m33s. Mais 4 minutos do que há 2 anos. Se gostava de ter feito melhor? Gostava, mas sabia que era impossível e, por isso, só podia ficar satisfeita com o meu resultado. Eu estava convencida de quem nem ia fazer tudo a correr, Senhores! Mas fiz! Fiz e a sentir-me bem! O que é que eu podia pedir mais?
Para quem anda por aí a espalhar o boato de que eu sou mesmo feliz é nos trails... Ontem também fui feliz em estrada. Muito feliz. Mas, também, quem é que não é feliz nas Fogueiras?