domingo, 28 de julho de 2019

Do Limestone Ultra Trail - Trilhos do Cársico...

Comecemos pelo fim: fiquei em último lugar. Pela primeira vez na vida, fui a última atleta numa prova. E se isso não tem nada de extraordinário (estamos a falar de uma pequena lontra que não treina, não é verdade?), o extraordinário, para mim, foi a forma como lidei com isso. É que até eu fiquei surpreendida!

Estávamos com pouco mais de um 1km de prova quando eu fui ultrapassada pelos últimos atletas. Claro que eu aí ainda não tinha a certeza de que era a última, mas desconfiava profundamente disso, e, como o tempo foi passando e não via ninguém atrás de mim, rapidamente percebi que era mesmo a última. Assim, fiz cerca de 95% da prova em último lugar. E não me importei. Nem um bocadinho!

Fiz a minha prova, ao meu ritmo, sem stress, sem pressão, e com o privilégio de ter a companhia da incrível Ju Ferreira, que foi a minha vassoura e me apanhou aos 10km.

Estava com medo de me sentir frustrada, de deprimir, de achar que aquilo não era para mim, de querer desistir. Mas não. Eu tinha o meu objectivo muito claro: fazer menos de 5 horas. E cumpri. Por isso, não tinha razão para me sentir frustrada. Eu tinha a prova bem controlada, estava a sentir-me bem, tudo apontava para conseguir cumprir o objectivo. Estar em último era só um pormenor. Bastante irrelevante por sinal!

Claro que ter a vassoura comigo ajudou. Ajudou muito. Fomos entretidas na conversa. Tão entretidas que até nos enganámos!... Conversámos, trocámos experiências (ela é uma croma!), tirámos fotos, e, pelo meio, fomos correndo.

A maravilha que é ter alguém para nos tirar fotos?

De vez em quando, ela deixava-me ir à minha vida. E, depois dos abastecimentos, ela ficava por lá mais um bocado, e eu tentava ganhar algum avanço (olha a piada!). Tê-la comigo ajudou-me, sobretudo, com as minhas paranóias de andar sozinha e ter medo que me dê alguma coisa. Confesso que até aos 10km, em que fui sempre sozinha, tive alguns momentos de receio. Porque depois do abastecimento dos 6km, em que a prova curta e a longa se dividiram, eu sabia que se me acontecesse alguma coisa, não vinha ninguém atrás de mim para me ajudar... Coisas em que eu penso... Fazer o quê?

Mas falemos da prova!

Gostei muito! Mesmo! Não é uma prova incrível, extraordinária e linda de morrer. Mas é uma prova com uma organização irrepreensível, bons trilhos, difíceis mas sem serem demasiado técnicos (excepto uma subida em que eu vi a minha vida a andar para trás e dei cabo das unhas, tal a escalada que fiz...), excelentes abastecimentos, gente simpática, muitos fotógrafos, t-shirts giras, de qualidade e com tamanhos de jeito, e tudo o que uma boa prova precisa de ter! Tudo isto, a uma hora de Lisboa. Vale mesmo a pena!

A minha prova dava pelo nome de Trilhos do Cársico e tinha 27km, sendo que inicialmente estava inscrita no Trilhos das Grutas, que tinha 16km. A partida foi às oito e meia da manhã, e os primeiros quilómetros a descer ajudaram a aquecer! Foi sol de pouca dura...



Aos 5km tivemos A subida. Subimos 250 metros em apenas um quilómetro, numa autêntica parede, em que eu me senti perdida por só ver pedra à minha volta e não saber por onde ir (ver foto de cima, onde está a perspectiva que eu tinha quando ainda estava do outro lado - ainda desci até ao vale, e depois foi sempre a subir). Aqui, já na fase final e pior da subida, começaram a passar por mim os primeiros cromos do Trail curto (que tinham partido às nove), e eu deixei-os passar só para poder copiar o caminho deles e saber por onde ir!

Não dá para ter noção, mas eu tinha vindo do estradão lá em baixo...

Seguiu-se o primeiro abastecimento, nas Grutas de Santo António, que estava envolto num nevoeiro tremendo, que se manteria ainda durante algum tempo. Depois do abastecimento, estava outra vez sozinha, perdida no meio do nevoeiro...

Literalmente, de fita em fita, no meio do nevoeiro!

Mas lá fui. Comecei a descer e tentei recuperar o ritmo e baixar a média que levava. Aos 10km, já em mais uma subida simpática, apareceu então a vassoura a gritar o meu nome. Perguntei-lhe se ela era a vassoura, e só lhe disse "coitada!".

Acabámos essa subida, descemos até aos 13km, e depois foi, basicamente, sempre a subir até aos 20km, com um abastecimento aos 14km... Já não era uma subida tão técnica, foi quase sempre em trilhos relativamente corríveis, mas custou-me horrores. O nevoeiro já tinha desaparecido, começava a estar calor, e as subidas pareciam infinitas.


Momento "I'm on top of the world!"

Aos 17/18km, eu juro que só me perguntava se ia conseguir chegar ao fim. Faltavam 10km e eu estava de rastos. Foi o meu momento da marreta. Há sempre um, não é verdade? O meu foi ali. Felizmente, o abastecimento dos 20km apareceu um pouco mais cedo, e deu-me o ânimo que me estava a faltar.

Quem será o Pai Arlindo?

Faltavam 7km. Sabia que ainda faltava uma subidita, e depois a subida final para a meta, mas estava com 3h40 e 20,2km. Tinha tempo de sobra para acabar a prova no tempo que queria.

Mira de Aire à vista. Portanto, é só descer tudo, fazer o vale, e subir tudo outra vez. É tranquilo.

Primeira subida despachada, e depois foi ir a descer por ali abaixo. Não consegui soltar-me demasiado, porque as dores nos pés já não davam para muito mais (esqueci-me de levar a fita...), mas lá fui correndo. Estava quase.

Sim, ainda parámos para tirar fotos às vacas.

Pouco depois, a minha vassoura avisa a organização que estamos nos 25,5km. Um bocado mais à frente eu aviso o louco que estou quase a chegar e que vou querer foto. 

Entramos em Mira de Aire, sempre a subir. Está quase. Vejo-o ao longe. Tira-nos fotos e diz-me que a prova lhe correu bem. Vai um bocadinho comigo e depois segue.


Última subida. Umas escadas infinitas. Oiço o meu nome no altifalante. Ao cimo das escadas um grupo a bater palmas. Falta atravessar a estrada e fazer a passadeira vermelha até à meta. Toda a gente a bater palmas, incluindo quem estava na esplanada do café. Um grande grupo de gente à minha espera junto à meta, incluindo o meu louco. As palmas. As palavras de incentivo. Corto a meta. Com uma sensação estúpida de felicidade e dever cumprido. Quero lá saber se fui a última! Aquela chegada apoteótica no final foi a melhor que já tive! Eu agora quero é chegar sempre em último!






Não dá para descrever mais do que isto. As fotos falam por si. Aquela chegada, aquele apoio, fizeram o meu dia. E aquela organização só pode estar de parabéns!

Esta manhã, quando acordei depois de uma noite cheia de insónias, depois de uma barriga às voltas, depois de um estado de nervos tremendo, eu cheguei a pensar que não ia ser capaz. Que tinha sido mais um capricho arrogante achar que podia fazer 27km em Trail, sem nunca ter feito nada assim e sem ter treinado. 

Mas fui capaz. E, se me perguntarem, é por isto que eu corro. 

10 comentários:

  1. Muitos parabéns pela prova e pela felicidade que demonstras nas fotografias na meta. E isso é impagável!

    Quanto à questão de se ser último, alguém tem que o ser. Mas o último nunca fica em último, fica à frente de todos aqueles que não têm capacidade para enfrentar uma prova destas.
    E isso de ser último é de tal maneira subjectivo e dependente da concorrência que imagina uma prova onde só se tinham inscrito os 10 melhores atletas do mundo. Algum deles chegará em último, apesar de ser dos melhores do mundo.
    Ah, e em termos correctos, se alguém desistiu na tua prova, significa que ficaste à sua frente.
    Por isso,o único significado de se ter sido último é que estiveste presente e tiveste capacidades para vencer o desafio!
    (não sei porque escrevi tanto sobre este tema quando referiste que não te importaste nada :) )

    Beijinhos e boa recuperação, grande atleta!

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    1. Aquela chegada à meta foi mesmo um daqueles momentos que vou guardar sempre :) ainda bem que foi registado!

      Eu comecei a prova já mentalizada que ia ser a última. E, por isso, não me importei mesmo :) claro que, como referes, eu fiz melhor do que todos os que nem tentaram. Mas nem é por aí... Eu fiquei satisfeita foi porque fiz aquilo a que me propus e cumpri o meu objectivo! É, no Domingo, eu não pedia mais do que isso (por oposição a outras provas em que depois me sinto frustrada com os resultados, mesmo não ficando em último).

      Ainda hei-de voltar ao tema, assim eu tenha tempo :)

      Um beijinho


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  2. Parabéns!!! A tua felicidade está estampada no teu rosto e isso é a única coisa que importa! Beijos

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  3. "é por isto que eu corro" e mainada!

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    1. A corrida tem esta capacidade incrível de nos provar que somos capazes de muito mais do que imaginamos ;)

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  4. Que prova com bom aspecto! E numa zona completamente diferente de onde foi o Almonda, não é? Não conheço nada disso. Enfim, não se pode ir a todas. Gosto mesmo de vir aqui quando gostas das provas ;)

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    1. Sim! Foi giro por isso mesmo :) foi na serra ao lado e era bem diferente. Olha que é um bom treino, bem mais corrível e sem aquele calhau todo nas descidas! :) Já ficas com o track do strava, para quando estiveres farto da Serra ao lado!

      Então volta só lá para Setembro, que agora acabaram-se as provas :D (até ver...)

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  5. Acho que fizeste um longo percurso emocional até este momento, o não te importares de ir em último, o ser suficiente cumprir o teu objectivo é mesmo bom de ler...
    Diz-me o teu louco conseguiu ver as fitas? Sendo vermelhas e brancas deduzo que visse o branco pelo menos bem.

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    1. Obrigada. Também sinto um bocadinho isso! Este ano trouxe-me grandes lições, nesse aspecto :)

      Conseguiu, sim! Para ele o ideal é mesmo o branco :) desta vez, não se queixou!

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