Pouco passava da meia-noite e tinha o coração a mil. Não
sabia se queria rir ou chorar. A descarga de adrenalina era tremenda. À sua
volta, sorrisos e parabéns. Uma cadeira. Um copo com água. Um inspirar profundo
e o assimilar de tudo o que acontecera nas últimas horas.
Tinha acabado de dar o seu primeiro concerto. O seu primeiro
concerto de piano. Para uma sala cheia. Muito cheia de familiares e amigos, é
certo. Mas cheia. E a sensação era avassaladora. Tinha conseguido. Tinha sido
capaz. Não tinha falhado. Não se tinha enganado. Como que por milagre, como que
se inspirados por uma força divina, os dedos tinham percorrido as teclas
daquele Steinway sem hesitações. Como se as conhecessem desde sempre. Nem
sempre é assim com os pianos. São sensíveis, temperamentais, não se deixam
tocar por quaisquer dedos. Mas, naquela noite, a simbiose entre os seus dedos e
aquelas teclas, fora perfeita.
Depois de trocar de roupa, de arrumar os poucos pertences
numa mala e de pegar no ramo de flores que lhe ofereceram, saiu do camarim e
despediu-se dos poucos que ainda circulavam nos corredores. Ao chegar à rua, o
inesperado: família e amigos à sua espera, com estrondosos aplausos. Naquele
momento foi claro: queria chorar. Chorar muito. Lágrimas de alegria. Lágrimas
de alívio. Tinha conseguido mas tudo aquilo só fazia sentido se partilhado com
aquelas pessoas. As suas pessoas.