domingo, 24 de novembro de 2013

Dos nossos fantasmas...

Domingo de manhã. Levanto-me, ponho a chaleira ao lume, preparo um chá verde. Sento-me na poltrona, acendo um cigarro, ponho o portátil ao colo e escolho a banda sonora para o meu dia.

Acordei com vontade de escrever. Queria escrever uma carta. Uma carta a despejar todo o fel que sinto. Uma carta que sei que não iria enviar. Porque não seria justo. Lembro-me que a nossa necessidade de dizer coisas não deve nunca ser sobreposta às necessidades dos outros. A nossa necessidade de despejar rancores e frustrações, não deve ser transformada em maldade e egoísmo.

O que não é o mesmo que dizer que não devemos despejar esse fel. Escrever as nossas cartas. Gritar ao vento o que nos consome. Mas pode ficar só para nós.

A terapia ensinou-me que não podemos fingir que as coisas não aconteceram. A metáfora do armário, que tanto me irritava nas sessões de terapia, é, afinal, bem real.

Todos nós temos o nosso armário no sótão. Onde escondemos os nossos segredos, onde acumulamos a nossa tralha, onde enfiamos a nossa bagagem. E ela fica lá escondida, que fica, mas não desaparece. E vamos pondo mais, e mais, e mais, e um dia o armário rebenta. Ficam ali as portas escancaradas, com a nossa tralha a cair das prateleiras, com a nossa tralha espalhada no chão. E, aí, somos obrigados a pegar na tralha, a pegar nas coisas uma a uma, e a arrumá-las. E o problema é que se formos acumulando e acumulando e acumulando, o armário pode explodir na altura menos conveniente (e ele tem tendência a isso, a escolher os momentos menos próprios para explodir).

Não vale a pena fingir que as coisas não aconteceram. Não vale a pena esconder debaixo do tapete o que nos magoa e fingir que não se passa nada.

Dói, custa, mas é preciso mexer e remexer, e deixar tudo bem arrumado, numa gaveta perto de nós, e não no armário no sótão.

E é por isso que eu escrevo. É uma espécie de catarse. É uma forma de me obrigar a pensar sobre as coisas para, no fim, conseguir aceitá-las e compreendê-las.

Lidarmos com os nossos fantasmas é uma forma de nos prepararmos para o futuro. Por um lado, porque vamos mantendo o nosso armário arrumado. Por outro, porque ao aceitarmos o que acontece agora, torna-se mais fácil aceitar o que acontecer no futuro ou, em alguns casos, podemos mesmo evitar que se repita no futuro (dentro daquilo que é a nossa limitada capacidade de controlar o futuro).

A melhor forma de lidarmos com o que nos acontece, é aceitar que aconteceu. Fingir que não se passa nada, é apenas um penso rápido, numa ferida que todos os dias vai crescer mais, e mais, e mais. Até se espalhar por todo o nosso ser e destruir aquilo que somos. Não vale a pena, pois não?


Vou só ali escrever uma carta. Para depois poder esquecer.

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