domingo, 21 de março de 2021

Do teu ar sereno nos meus braços e da vida que não sei viver...

Há pouco, emocionei-me enquanto embalava a Isabel nos meus braços e a via adormecer.

Costumo adormecê-la no berço, durante o dia, mas hoje quis que ela adormecesse ao meu colo, enquanto eu a embalava e eu cantarolava para ela. Talvez pela consciência de que, um dia, estes momentos deixarão de existir. Ao vê-la fechar os olhos e deixar-se ir, senti os olhos encherem-se de lágrimas.

Estamos, desde quinta-feira, em isolamento profilático, por ela ter sido considerada contacto de alto risco. Estou tranquila em relação a isso, plenamente consciente de que a probabilidade de ela ter sido contaminada com Covid-19 é muito baixa.

Mas, ao mesmo tempo, não deixo de me sentir frustrada e angustiada com tudo isto. Estamos fechados em casa há um ano (excepção feita para duas semanas no Algarve). Estamos estupidamente isolados e confinados. Estamos a viver a experiência da parentalidade sozinhos, sem apoio, sem partilha, sem a celebração que este momento devia ser. Protegemo-nos, e a ela, o mais que podemos, e, com isso, afastamo-la dos nossos e de quem lhe quer bem. Tudo o que temos feito, é por acharmos que é o mais correcto. Mas, depois, bastam 4 dias na creche, para ela ser exposta e considerada contacto de alto risco por contacto directo com um infectado. E eu, que sempre vivi bem com as minhas decisões no último ano, não deixo de me questionar. Ao vê-la adormecer nos meus braços, ao deliciar-me com os seus contornos perfeitos e o seu ar sereno, não deixo de me perguntar se fará sentido continuar a privá-la do mundo, e a privar o mundo dela. Se a deixamos ir para a creche, com o resultado que está à vista, não faria sentido deixá-la estar com as nossas pessoas?... Ao mesmo tempo, a racionalidade em mim, pergunta-se se não será esse o pensamento errado que levou ao estado em que estamos de achar que "já que me exponho para ir trabalhar, então também não faz mal se me expuser para ir jantar fora, e estar com os amigos, e estar com a família...". O facto de ela ir à creche, deverá justificar que a resguardemos ainda mais, para minimizar riscos, ou deverá ser carta branca, em jeito de "perdido por cem, perdido por mil", para aproveitarmos a vida e vivermos esta experiência um pouco mais como ela deveria ser vivida?...

Não consigo chegar a nenhuma conclusão. Vivo dividida entre fazer o que acho correcto, não só porque o nosso governo o diz, mas porque a minha consciência assim o diz, e fazer o que vejo os outros fazerem, em actos que me fazem questionar o meu excesso de zelo.

De uma coisa não tenho dúvidas: o impacto social desta pandemia é absolutamente avassalador. Quem acha que vamos ter uma grande crise económica, devia preocupar-se igualmente com a forma como todos vamos sair disto em termos psicológicos, nos nossos afectos, nos nossos medos e ansiedades.

6 comentários:

  1. Faço minhas as tuas dúvidas e receios.
    São tempos muito complicados para os quais não há um manual de instruções devida e previamente testado pois é novidade para tudo e todos. Faz-se aquilo que no momento se considera o correcto.
    Força!
    Beijinhos :)

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  2. Sabes como vi a minha melhor amiga no Natal? Ao ar livre, a 2m de distância, mas as miúdas ainda brincaram e em Portugal está bom tempo e ao ar livre a probabilidade de alguém se contagiar é e sem sintomas é praticamente 0...
    Talvez não seja o "vale tudo" mas o vale alguma coisa desde que com alguma contenção, desde que depois não te deixe maluca a remoer nisso...

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    1. Se eu já era fã de programas ao ar livre, agora ainda mais!

      Maluca já eu ando!... Vamos ver como isto evolui, para ver se eu consigo aliviar um bocadinho a paranóia.

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  3. Eu diria que não há uma resposta certa para cada dia. No último ano já ficámos sem ver toda a gente quatro meses (de Março a Maio de 2020 e de Janeiro a Março de 2021), já cortámos só contactos com amigos (em Novembro e Dezembro de 2020, mas os miúdos mantinham-se na escola e fomos estando com os meus pais e a minha sogra), já tivemos contactos com família e amigos sempre de máscara e só a tirar nas refeições (que são curtas), etc etc. Ainda hoje perguntava ao Pedro se, face ao aumento do R, ele achava que devíamos novamente parar com contactos com a Joana e o Bernardo. Na Páscoa não vamos estar com ninguém, mas no fim-de-semana seguinte vamos à terra do Pedro porque já não vemos o avô dele há mais de um ano, ele tem 95 anos e já estamos vacinados nós e ele. Claro que há sempre riscos, mas pesámos na balança os riscos e os benefícios e lá vamos. Depois provavelmente só voltamos a estar com os meus pais em Maio, quando o Matias fizer anos. É difícil. A Gabriela já não reconhece a minha avó, o Matias não se lembra do nome dela. Mas vamos dizendo a nós próprios que são só mais alguns meses.

    Aqui em casa optámos por deixar a escolha muito do lado deles, a família. Eles são adultos, pensantes, sensatos, têm o direito a querer pôr-se em risco, pensando nós que o risco é maior para eles do que para nós, na casa dos 30s, saudáveis, agora até vacinados mas antes pensávamos o mesmo. A minha mãe, por exemplo, nunca se privou de estar com os miúdos. Vem de máscara, mas vem. O meu pai já não vem tanto, e já não o vejo desde o Natal. A minha avó então recusa-se, e eu entendo claro. Entristece-me, mas entendo. O avô do Pedro quis mesmo estar connosco, e também percebo - a minha avó tem 79 anos, ainda vai cá estar para ver o fim disto (esperemos), ele talvez não. Ou seja, vamos pensando um dia de cada vez. Não há respostas certas, e desde que dentro da lei cada um faz o que deixa a sua consciência menos intranquila (já que tranquila tranquila é difícil) :) Beijinho :)

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    1. Não há mesmo uma resposta certa!... Nós temos estado sempre muito confinados, com raríssimas excepções. Pelo que vejo à minha volta, somos os mais confinados. Acho que pela minha família, estávamos todos juntos como se não fosse nada. Mas não sou capaz. Ao princípio, foi porque estava no final da gravidez e não se sabia nada da doença. Depois, porque a Isabel era recém-nascida, e eu não queria arriscar. Depois, o tempo foi passando, fomos passando pelas diferentes vagas, e acho que quase se perdeu o hábito. Fomo-nos fechando cada vez mais, e cá seguimos... Mas acho mesmo que vamos mudar um bocadinho a postura, depois destes 14 dias de isolamento forçado.

      Percebo o que dizes do avô do Pedro! Não há nada mais triste do que pensar em todas as pessoas que morreram sozinhas e sem um último adeus, no último ano... É um risco perfeitamente calculado, e não duvido que valha a pena!

      Um dia de cada vez, como dizes.

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