Um mês e nove dias. Um mês e nove dias foi exactamente o tempo que eu demorei a cair em mim.
A minha mãe morreu. A minha mãe morreu e a única coisa que eu fiz nos últimos anos foi ignorá-la. Foi deixar sem resposta os emails e as mensagens que ela insistia em enviar-me e que tinham até o dom de me irritar.
Agora já não vai haver mensagens nem emails para ignorar. Nem para responder, quisesse eu mudar de ideias.
Agora já não vai haver nada. Porque ela morreu.
Ela morreu e eu percebi agora que vou viver para sempre com a culpa, com a dúvida, com a incerteza. Ela morreu e eu não sei se fiz tudo o que podia. Ela morreu e eu não sei se dei todas as oportunidades que devia ter dado. Talvez pudesse ter dado mais uma. Talvez devesse ter dado mais uma.
Agora não há nada a fazer. Agora é clara para mim a irreversibilidade da morte. É clara como se nunca tivesse sido. Achamos sempre que a morte é uma coisa distante, que acontece aos outros, que acontece aos que são muito velhinhos, que vai acontecer um dia mas nunca pensamos muito bem em quando será esse dia. Depois a morte começa a fazer o seu trabalho. Leva-nos uma pessoa, e outra, e outra. E nós percebemos que a morte é mesmo inevitável. E mesmo irreversível.
E a morte traz consigo lições. Muitas e variadas. A morte obriga-nos a pensar e repensar no que fizemos em vida. Porque o que não fizemos, já não vamos fazer. E isso é uma grandessíssima merda. Esta coisa de as pessoas morrerem sem aviso prévio, sem nos darem tempo para pensarmos bem se fizemos tudo o que queríamos ter feito, é uma grandessíssima merda.
Ou então é só (mais) um murro no estômago para nos lembrar que o nosso tempo por aqui é finito. E, pior do que isso, é incerto. Não sabemos por quanto tempo vamos por cá andar, nem sabemos por quanto tempo cá vão andar os que nos rodeiam. Talvez seja boa ideia deixarmo-nos de merdas e aproveitarmos a vida que temos. Só talvez.
Porque um dia é tarde demais. E viver com um sentimento de culpa que nos esmaga e consome aos poucos não é a melhor forma de vivermos os dias que nos restam.