Pois que está feito.
Eu sabia que não ia ser uma prova tão feliz como a do ano passado. Era difícil, para não dizer, impossível.
Ainda assim, não esperava que fosse tão menos feliz!...
Lição número 1 nesta luta Pessoas VS Serra da Estrela: a Serra ganha sempre. Não vale a pena.
Lição número 2: ir fazer uma prova na Serra da Estrela sem treinar, é disparate. Para não dizer, pura burrice.
Lição número 3: nunca, mas nunca, subestimar a Serra. Mesmo que seja uma prova curta. Mesmo que seja uma prova que já conhecemos. Mesmo que nos achemos "os maiores e que vamos lá e fazemos aquilo na boa". Não. Não fazemos.
Ou melhor, fazemos. Mas em sofrimento. E pagar para sofrer, ainda que seja uma opção perfeitamente válida porque cada um sabe de si, não é bem o que eu quero para mim.
Depois deste momento pedagógico para referência futura, e porque eu acredito que é importante aprendermos com os erros (e se eu hoje aprendi!), passemos ao que interessa.
Acordámos às seis e um quarto, com esta vista da janela do quarto do hotel nas Penhas da Saúde, e com o fresco dos seis graus a fazer-se sentir. O hotel, a muito custo, preparou um saco com um pequeno-almoço improvisado. Valeu-nos termos vindo prevenidos de casa. Sim, eu vim de Lisboa com panquecas e iogurtes e fruta e frutos secos e tudo e tudo e tudo.
Saímos para Manteigas e às oito foi a partida dos loucos (o meu e os outros), que iam para os 49km. Restavam-me duas horas até à minha prova!... Fui beber um chá, fui à casa-de-banho, descobri um tasco com wi-fi, vi e revi o percurso e o material, e lá chegou a minha hora.
Estas partidas são sempre relativamente calmas: éramos perto de cem atletas, o que é muito pouco. Mas o entusiasmo era muito e até eu começava a entrar no espírito. Dez em ponto e lá fomos. A prova começa com um quilómetro a descer, e depois é praticamente sempre a subir até aos 9km (com umas partes planas ou ligeiramente a descer lá pelo meio, mas coisa pouca).
Aproveitei para ir tirando fotos. Muitas fotos. Conseguem ver o coração da montanha?
A prova corria relativamente bem, eu ia a fazer o ritmo que desejava (ligeiramente abaixo do do ano passado), e claro que me sentia cansada. Mas ia gerindo. Sem muita pressão, e sabendo que a primeira parte da prova era para ser feita mais a caminhar do que a correr. Acabei por perder algum tempo nesta fase porque a dada altura me aproximo de uma rapariga que estava com uma senhora e não parecia muito bem. E não estava. Deve ter tido uma quebra de tensão, e acabou deitada no chão, de pernas para o ar, com outra corredora a dar-lhe isotónico e eu a dar-lhe uma goma, para ver se a coisa melhorava. Eventualmente, acabou por melhorar.
Estava muito, muito calor. Houve alturas em que não tínhamos qualquer sombra e estava muito quente, de facto. A Serra engana, também nisto. Porque achamos que aquilo é fresco e, na verdade, não é tanto assim... É muito fácil distrairmo-nos e não bebermos água suficiente, por exemplo. E depois acontecem estas coisas... Que, para mim, são assustadoras e são uma das coisas que me preocupa sempre no trail. Há momentos em que estamos em sítios em que, se nos acontecer alguma coisa, vai demorar até que nos possam ir buscar!... Daí que as exigências com os materiais obrigatórios possam parecer chatas, mas podem mesmo fazer toda a diferença!...
Lá continuei a correr e esta parte foi já depois do abastecimento, no Poço do Inferno, naquela que é a pior subida de toda a prova. Na foto não dá para perceber bem, mas esta subida era bem dura e difícil, pelo meio de rochas, em modo escalada e sem ter onde pôr os pés. Um dos problemas de ser baixinha revela-se no trail: a ginástica que eu faço quando tenho de subir estes "degraus" gigantes...
E aqui começa a descida, já com Manteigas ao fundo. Se no ano passado eu adorei a descida, porque fui sempre sozinha e levezinha por ali a baixo, qual cabra do monte a saltitar de rocha em rocha, este ano a descida foi particularmente difícil. Ao ponto de eu ter feito algumas partes a caminhar. Esta parte do percurso é chata porque o solo é praticamente sempre irregular, com pedras grandes e pedras pequenas soltas, e obrigam a uma grande concentração para vermos bem onde pomos os pés. Isso e obrigam a uma grande ginástica nos tornozelos. E o meu tornozelo direito não gostou dessa ginástica. E eu tive dores. Muitas. E depois a coxa esquerda juntou-se à festa. E eu tive dores. Muitas. E percebi que estava a fazer um tempo miserável em relação ao ano passado. E entre as dores e a desmoralização com o tempo que estava a fazer, foram uns últimos quilómetros difíceis.
Mais eis que volto a entrar em Manteigas. Faço aquela subida final maravilhosa. E dou comigo na passadeira amarela, com o pórtico à minha frente.
Na lateral do corredor final, algumas pessoas batem palmas e incentivam, o speaker pede um esforço final para acabar a correr e um sorriso, eu correspondo, o fotógrafo prepara a objectiva, eu passo o pórtico vermelho da Prozis, já só faltam uns metros para o pórtico final, e eis que sou ultrapassada por uma atleta, que se mete à minha frente de braços abertos e acaba a prova primeiro do que eu.
E eu fiquei parva, sem reacção. Eu sei, se calhar, sou eu que ando demasiado sensível. Eu sei, o problema sou eu, não ela. Mas confesso que mexeu comigo e me deixou com um sentimento triste em relação à prova e ao seu final. Esta atleta esteve o tempo todo atrás de mim, excepto quando foi o abastecimento, porque eu parei mais tempo do que ela. Nem duzentos metros depois do abastecimento, eu ultrapassei-a e fui sempre à frente dela. Sempre. Talvez com a minha lentidão na descida ela se tivesse começado a aproximar, e na subida final em Manteigas, eu apercebi-me que ela vinha atrás de mim. Mas atrás, sempre atrás.
Eu jamais seria capaz de ultrapassar uma atleta que fez a prova toda à minha frente, a três metros da meta!... Que gozo é que isso dá?...
Eu sei. O problema é meu. Eu é que estou errada. Ela tinha todo o direito de fazer o que bem entendesse e acabar a prova como bem queria. Eu sei. Estou a escrever a quente e um dia vou arrepender-me.
Mas fiquei triste. Pronto. Deve ser mesmo por andar sensível. Ignoremos.
Ainda está para nascer um pórtico mais bonito do que este! Gosto mesmo dele e não resisti a tirar-lhe mais uma foto, ainda que não tenha tido vontade alguma de tirar uma foto a mim mesma depois da prova.
Deixo-vos o gráfico para verem como é uma prova gira!...
Então e o resultado? Francamente pior do que em 2017, claro está. Acabei com o tempo oficial de 2h29m16s. Curiosamente, fiquei pouco pior classificada do que no ano passado em termos gerais: 44º da geral (o ano passado tinha ficado em 41º), 13º dos femininos (o ano passado tinha ficado em 11º), só piorei muito no escalão, em que passei de 4º para 8º...
Claro que isto não interessa nada, que o que interessa mesmo é participar e chegar ao fim, e yada yada yada... Digo eu a mim mesma para me convencer.
A prova foi todo um misto de emoções. Por um lado, o meu lado racional a dizer-me que eu não tinha treinado nada (lembrei-me hoje que o meu último treino de trail foi... em Janeiro!) e era impossível fazer melhor do que no ano passado. Por outro, o meu lado emocional, a querer que eu me superasse.
No fim de contas... Isto não interessa mesmo nada e agora vou para Manteigas outra vez, esperar pelo louco, e aproveitar o resto do fim-de-semana, que bem preciso. Segunda-feira vai ser um dia importante e eu quero esquecer-me disso até lá!...