O meu principal receio, como aqui partilhei, era em relação ao calor. A distância não me assustava. O percurso não me assustava. Mas o calor... O calor estava a deixar-me verdadeiramente preocupada!
Eu estava mesmo convencida de que não ia conseguir. Eu estava estupidamente nervosa. Eu achava que não ia aguentar, que me ia sentir mal, que ia desistir (a única prova em que desisti até hoje, foi, precisamente, por causa do calor...). Eu estava com a confiança em níveis mínimos. Eu estava rabugenta (como comentou uma das colegas de equipa que nunca me tinha visto assim e brincou com a situação). Eu não estava mesmo nos meus dias.
Mas chegou a hora e a prova começou. Últimas despedidas e eu deixei-me ficar para trás. A prova começou e eram milhares de pessoas a correr na mesma direcção, cada uma com o seu objectivo, mas todas com o mesmo propósito: chegar ao fim. E eu, sozinha mas tão acompanhada, com a minha música, com o rio infinito à minha volta (e suas centenas de alforrecas gigantes), senti-me emocionada ao passar a placa do primeiro quilómetro. Estava arrepiada, de lágrimas nos olhos, a pensar que estava mesmo ali, estava mesmo a fazer aquilo. Não me canso de o repetir: a generalidade das provas longas são, para mim, viagens ao fundo do meu ser. Talvez por isso não me importe de as fazer sozinha. Ainda que a companhia possa ser muito importante em alguns momentos (lá chegaremos).
Fiz os primeiros quilómetros a sentir-me bem. Na ponte ainda havia algum vento, o que não deixava que o efeito do sol fosse tão forte, e, de quando em vez, alguém em sentido contrário buzinava e batia palmas. A generalidade das pessoas só devia mesmo estar a rogar-nos pragas por estarmos a dificultar o trânsito. Paciência. Eu estava feliz e não queria saber de gente refilona. A subida da ponte fez-se. Devagar, devagarinho, e depois começou a descida. Se há coisa que eu acho que marcou esta prova, para mim, foi a minha tentativa de controlar o ritmo: passei o tempo todo a olhar para o relógio, a obrigar-me a abrandar, mesmo nas descidas. O meu objectivo era muito claro, o meu ritmo estava definido, e eu sabia que era fundamental respeitá-lo, se queria ter alguma hipótese de chegar ao fim. E lá fui correndo. Chegou o quilómetro 6 e o primeiro abastecimento.
A zona do Parque das Nações fez-se bem. Havia alguma sombra, havia gente a aplaudir, havia a divisão da meia e da mini, e é uma zona que conheço bem, pelo que me sentia confortável. Fui tentando puxar por quem via a caminhar. Sem muito sucesso, diga-se.
Ao sair daquela zona sabia que ia começar a doer: acabava-se a sombra, íamos correr muito tempo em alcatrão e o calor começava a apertar. Sabia que aquela era a parte mais difícil mas também sabia que metade da prova estava feita. E bem feita. Foi também nesta zona que havia um abastecimento com fruta. Eu ia do lado esquerdo, onde só havia bananas, e quando olhei para a direita percebi que havia laranjas. Gostava que alguém tivesse filmado o meu ar e a rapidez com que cheguei ao lado direito para me agarrar a dois bocados de laranja! Indescritível! Eu adoro laranjas em provas. São, para mim, a melhor coisa que me podem dar! São frescas, doces, sumarentas, e parece que me dão um boost de energia! E fiquei mesmo feliz quando as vi! Uma pessoa contenta-se com o que pode nestes momentos, não é?...
No entanto, as minhas adoradas laranjas obrigaram-me à minha primeira e única paragem: a sofreguidão era tanta que me engasguei. Tentei continuar a correr e a tossir, mas acabei por encostar, parar uns segundos para tossir a sério, e depois retomei o meu ritmo. Pouco tempo depois, vi uma corredora desmaiada na beira da estrada. Já estava a ser assistida, mas é sempre uma imagem assustadora e que me dá sempre que pensar. Penso sempre que me pode acontecer a mim, e tenho de me obrigar a ser racional e a não começar a panicar. E consegui. Foi também nesta zona que estava um carro dos bombeiros com um jacto de água, a "dar banho" aos corredores. E soube-me tão, mas tão bem! Acho que entre as laranjas e este pequeno banho, a que se juntou o gel que tomei, comecei a sentir-me realmente bem e a pensar que só faltava um terço da prova.
No entanto, pouco depois, a chegada ao Terreiro do Paço foi... Agridoce. Custou começar a aproximar-me daquela zona e ver tanta gente que já tinha terminado, feliz e contente a comer o seu gelado. Custou não ver nenhuma cara conhecida (a malta do meu grupo já devia ter acabado ou estar a acabar e tinha esperança de os ver), custou pensar que a meta estava já ali e eu ainda tinha de ir ao Marquês e voltar. Mas... Voltou a haver público nas ruas, voltou a haver animação (e pessoas a refilar com a Polícia que não as deixava atravessar a estrada), e eu pensei que só faltavam 4 quilómetros e que isso era um instante. Ao chegar ao Rossio meti conversa com uma corredora de um clube rival do meu nas Corridas das Localidades, mas acabei por lhe dizer que seguisse, porque íamos começar a subir e eu queria resguardar-me.
Eis que chego aos Restauradores. Mais um abastecimento. E ao sair da Praça e ao começar a subida da Avenida, aparece uma colega de equipa, que tinha ido fazer a Mini e que tinha ido para ali esperar por mim, porque tinha dito que fazia a subida comigo. E eu fiquei tão, mas tão feliz quando a vi! Fiz uma festa enorme e lá fomos nós! Fiz a subida sempre no meu ritmo, a dizer-lhe para ter calma que eu já ia com dezoito quilómetros em cima, mas íamos na conversa, a contar como tinha sido a prova de cada uma, e à procura dos meninos da equipa, que não vimos. Mas vi o
João Lima e ainda lhe desejei força! E sim, fiz a subida sempre a correr e na conversa, e ainda com fôlego para refilar com quem ia a caminhar e não tinha o mínimo cuidado de se desviar ou de se organizar, para que quem ia correr não tivesse de andar a fazer verdadeiras provas de obstáculos. O civismo do costume. Nada de novo...
Quando estávamos a chegar ao cima da Avenida, eu só pedia que não nos obrigassem a dar a volta ao Marquês. É que o raio da rotunda é mesmo grande, é toda ao sol, e eu já não tinha muitas mais forças... Mas não. O retorno era antes da rotunda propriamente dita e, a partir daí, foi sempre a descer. Comecei a descer a medo, sem me soltar muito, mas depois larguei a garrafa que trazia e achei que era hora de dar tudo. E dei. E só pensava em chegar à meta, que nem sabia bem onde era. Obrigam-nos sempre a dar aquela voltinha, em vez de porem a meta no fim da Rua do Ouro!... Uma pessoa vem pela rua fora, vê uns pórticos e acha que é logo ali mas não... Toca de virar à esquerda, depois virar à direita, e depois sim! A meta!
Fiquei muito feliz ao cortar a meta! Dei um abraço à minha colega de equipa e só queria sair dali! Não estava a acreditar que tinha conseguido e que me sentia tão bem! Porque acabei a sentir-me bem. Com muito calor, a devorar o gelado que ofereceram (longe vai o tempo dos Magnums...), a beber muita água, mas a sentir-me bem e feliz. Mesmo tendo feito o meu pior tempo de sempre numa meia. Mesmo tendo feito mais dez minutos do que na mesma prova, há um ano atrás. Eu estava feliz! Eu tinha conseguido e tinha cumprido o meu objectivo: acabar a prova, no ritmo que me tinha proposto. Bom, na verdade, fiz mais um minuto do que era suposto. Mas, na verdade, a prova teve mais umas centenas de metros do que era suposto. Acho que foi ela por ela!
Se custou? Custou. Se pensei desistir? Pensei. Se quando passei na Expo me apeteceu seguir pelo percurso da mini? Apeteceu. Se quando vi a meta no Terreiro do Paço me apeteceu ficar por lá? Apeteceu. Se fiz alguma destas coisas? Não, não e não. Cheguei ao fim. Nem eu sei bem como, mas cheguei.
Ainda tenho as emoções a mil. Ontem passei o dia a sentir-me muito feliz e orgulhosa. E eu não sou destas coisas. Mas ontem achei mesmo que merecia! Quando as expectativas são muito baixas, é fácil sentirmo-nos assim! Hoje continuo a sentir-me bem, com algumas dores nas coxas (olá, contraturas!), e com umas bolhas muito bonitas como nunca antes tinha visto. Mas sinto-me bem.
Não sei se os 2,5km que fiz a correr para a Gare do Oriente antes da prova me fizeram bem ou não. Mas sei que ter feito 1,5km a caminhar depois da prova, quando saí do metro no regresso, me ajudou. Sei que isto tudo não é o mesmo que fazer um treino de 25km, mas sei que as minhas pernas ontem fizeram muitos quilómetros, e sei que passei muitas horas em pé. E sei que me sinto melhor do que esperava.
Se já me decidi em relação ao Porto? Não. Só depois do treino do próximo Domingo.
Ah! E o título do post? Pois. É verdade. Fiz mesmo. Não dormi em minha casa e preparei o equipamento todo, levei tudo e mais alguma coisa, menos... As cuecas. Na véspera, era meia-noite e meia quando saltei da cama ao lembrar-me disto e pouco depois estava em frente ao espelho a rir-me à gargalhada com as cuecas que o louco mais louco que eu me emprestou. Apesar de não me ficarem muito bem, e de ficarem com algum tecido de sobra, tenho a dizer que eram confortáveis e fizemos uma bela prova juntas. Se alguém quiser experimentar, eram
estas da Decathlon.
Também entra para a categoria das coisas que só me acontecem a mim!...