O Estrela Grande Trail já foi. Foi um fim-de-semana muito cheio, muito intenso, muito cansativo.
Sexta-feira à noite cheguei às Penhas da Saúde e estavam 8º. Esta noite foi passada na Pousada da Juventude da Serra da Estrela. Acho que não dormia numa pousada da juventude há quase vinte anos, e não deixou de ter a sua piada. Claro que as pousadas já não são o que eram, e esta acabou por ser uma boa surpresa. Não fosse a barulheira a meio da noite de algum grupo mais animado, e o frio que passei, tinha sido uma excelente noite! Ou talvez não... Porque consegui ter dois pesadelos absolutamente sinistros (ambos com a prova).
Sábado acordei nervosa. Sabia que era a prova mais dura que alguma vez tinha feito. Arranjei-me depressa, tomei o pequeno-almoço (levei as minhas panquecas de casa!), e fizemo-nos à estrada. Achava eu que estava frio na véspera... Mas a caminho de Manteigas o carro marcava 6º! Não basta uma pessoa acordar antes das sete a um Sábado, e ainda tem de levar com estas temperaturas!...
Já em Manteigas, correria para levantar os dorsais, últimos preparativos para quem ia para os 49km, um pórtico de partida (e meta) giro que só ele, muitas estrelas por toda a parte, e às nove horas e uns minutos, deu-se a partida do Estrela Orion Belt.
Ainda tinha uma hora pela frente até à minha prova - Estrela Ursa Minor. E uma hora dá para muita coisa. Deu para ir ao carro pôr a tralha toda, confirmar que tinha tudo o que precisava na mochila e que não tinha nada que não precisasse (cada grama conta!), comer uns frutos secos e uma banana, ir (mais uma vez) à casa-de-banho, tirar umas fotos, e pensar bem na minha vida. O meu objectivo inicial era fazer menos de 3h, dada a dificuldade da prova. Depois, comecei a fazer contas, vi que afinal eram só 14km, e achei que devia ser mais ambiciosa. Baixei o objectivo para 2h30, sabendo que não seria fácil, porque teria de fazer os primeiros 8km (os mais difíceis), numa 1h30.
Os nervos eram muitos e os minutos antes do início da prova não foram fáceis. É bem mais fácil quando temos companhia e quando estou com gente conhecida à volta parece que o tempo passa mais depressa. Ainda deu para uma foto e, às dez, a prova começou.
Não vale a pena descrever cada quilómetro, que o texto já vai longo, mas acho que este gráfico explica muita coisa:
O começo não foi mau: uma ligeira subida, depois 1km a descer, e depois foi começar a subir. A partir do terceiro quilómetro, foi praticamente sempre a subir até aos 8,6km, quando cheguei aos 1312m de altitude. Foram quase 600m em 5km. É muito. Eu sei que para quem não percebe nada disto, é chinês. Mas é muito, acreditem.
Pelo meio, tive o abastecimento, antes dos 7km, e perto do Poço do Inferno. O nome era apropriado ao que sentíamos. Tínhamos acabado uma subida horrível e ainda faltava outra pior. E o mau foi que abastecimento foi fraco. O que foi pena!... Uma pessoa habitua-se a trails cheios de comida, e depois estranha. A parte positiva foi que, já quando tinha começado a subida do demo, estava uma pessoa da organização que ia contando os participantes que me disse que eu era a número 50 da geral e a 16ª das mulheres. Ora, eu não fazia a mínima ideia se estava mais para trás ou para a frente até aí, e, confesso, fiquei agradavelmente surpreendida. Sabia que éramos cerca de 100 participantes e 50 mulheres, por isso, fiquei muito satisfeita com esta informação, porque tenho sempre a sensação que estou nos últimos! Isto deu-me algum ânimo, mas não me deu força nas pernas...
A grande quebra de ritmo que há no gráfico foi quando, a meio dessa subida maravilhosa, eu achei que não aguentava mais. Parei a contemplar a vista, tirei esta foto, tomei um gel, e respirei fundo. Sabia que ainda faltava 1km a subir, com uma parede bem dura pelo meio, mas que depois seria a descer.
E lá fui eu. O que melhor descreveu a última e mais difícil subida? Escalada. Eu fiz escalada. Numa boa parte do percurso, eu ia de mãos no chão, só via rochas à minha volta, não havia um trilho, um percurso desenhado, nada. Eram só rochas e eu sabia que tinha de subir, mas muitas vezes não sabia bem por onde. Foi... Desafiante!
E como tudo o que sobe, desce, seguiram-se 4km praticamente sempre a descer. Destes, fiz 3km completamente sozinha, depois de ter começado a ultrapassar e a deixar para trás as pessoas que até aí tinham seguido mais ou menos à minha volta. E correr sozinha é aquela coisa que desperta em mim sentimentos contraditórias: é uma sensação incrível estar ali, sozinha, a ouvir-me apenas a mim, aos passarinhos e à água a correr (há sempre água a correr naquela serra...), mas é igualmente assustador e houve uma altura em que me enganei mesmo no percurso (que podia estar mais bem assinalado). Já mesmo a entrar em Manteigas, vi ao longe dois participantes. Um deles, ainda passei. Mas... Eu disse que tinha feito a última subida, não foi? Pois. Só que não. A organização achou por bem que a meta estivesse no centro de Manteigas, pois claro, e, portanto, o último quilómetro foi feito a subir. Foram só 70m num quilómetro. O que é isso, depois de uma prova inteira?!... Pois. Foi quase tudo a caminhar, e só fiz mesmo o esforço final no corredor de acesso à meta. Não dava para mais.
Quando cheguei à meta estava, como tinha desejado, muito feliz e orgulhosa. Fiz 2h14m25s. Juro que nunca pensei fazer tão pouco!... Quando percebi que ia fazer abaixo de 2h30 já estava super feliz, mas quando percebi que estava aos 12,5km e ia em 2h04, percebi que podia caminhar no último quilómetro, porque ia fazer abaixo das 2h15. E foi muito, muito bom!
Acabei a prova a sentir-me bem. Mesmo bem. Mais uma vez, só tive pena de não ter com quem partilhar o feito, e foi meio solitário, o que é estranho. Mas sentia-me muito feliz e orgulhosa! Tinha conseguido e sentia-me bem! Ainda tirei mais umas fotos e, como não havia abastecimento no final (nunca tinha visto tal coisa...), fui até ao hotel (que para esta noite já era mesmo em Manteigas).
Ainda estive na varanda a esticar as pernas e a apanhar sol. Alonguei, tomei um grande banho e depois aterrei na cama, completamente de rastos e com umas quantas dores simpáticas.
Foi nesta altura que peguei no telemóvel e consultei as classificações. E fiquei ainda mais feliz e orgulhosa! Fiquei em 41º na geral (em 93), 11º das mulheres (em 50) e em 4º do meu escalão (em 22). Mais uma vez, era um trail em que era fácil isto acontecer (as cromas estavam todas nos trails mais longos) mas, caramba!, não deixo de ficar super contente com os resultados. Esforcei-me e isso traduziu-se numa boa classificação.
E isto dá-me um grande ânimo, dá-me motivação, e deixa-me muito feliz! Eu sei que andamos lá todos porque é giro, e porque o desporto faz bem, e que o que importa é participar... Mas duvido que haja alguém que não fique feliz quando consegue um bom resultado! E mesmo que eu tivesse ficado em 90º, se tivesse feito o tempo que fiz, ia ficar igualmente feliz, porque superei, em muito, o meu objectivo. E sempre que nos superamos, é impossível não ficar feliz!
E agora chega de testamento, vou descansar que a semana vai ser longa, e começar a pensar no próximo objectivo: Fogueiras. Bom, talvez haja mais uma ou duas pelo meio, mas o foco vai ser esse. Espero eu.