Faz hoje um ano, nesta mesma casa em que me encontro agora, comemorámos o 95º aniversário da minha avó. Comprámos um bolo, comprámos velas, cantámos os parabéns e ela soprou as velas, pela última vez.
Parece que foi ontem. Olho para o sofá e vejo-a ali. Muito magra, muito encolhida, mas a celebrar 95 anos de vida.
Não consigo imaginar o que é viver 95 anos. Não consigo imaginar a sensação de ver tantos anos passar, tanta gente, tanta vida, tanta morte.
Entristece-me pensar que podia ter feito mais. Que podia ter ligado mais. Que a podia ter vindo visitar mais vezes.
No fundo, pesa-me a culpa.
Não vou dizer que tinha uma relação espectacular com a minha avó, que ela era a melhor do mundo, que era tudo perfeito.
Mas era a minha avó. Mesmo quando dizia disparates que nos magoavam. Mesmo quando nos dava ordens e punha a dispunha. Era a minha avó.
A minha avó que me comprava ovos Kinder e línguas de gato. Que me comprava sempre um folar na Páscoa (e que eu não voltei a comprar desde que ela deixou de mos oferecer). Que fazia castanhas cozidas com erva doce de cujo cheiro ainda me lembro. Que ouvia sempre a Renascença de manhã e tomava nota dos números do Jogo da Mala. Que nos levava ao Jardim da Estrela e da Parada. Que jogava Bingo e à Bisca connosco.
Numa relação imperfeita, que era a nossa, era a minha avó. Que hoje não está cá para comemorar o seu 96º aniversário. Talvez esteja num sítio melhor. Ela acreditava que sim. Talvez esteja com o meu avô. Espero que sim. Por ela, quero acreditar que sim.