O dia da mãe foi, durante muitos anos, um dia que me provocava sentimentos agridoces.
A relação com a minha mãe é, desde há alguns anos, inexistente. Antes de passar a inexistente foi, durante alguns anos, conturbada.
E isso, naturalmente, moldou a forma como encarava esse dia. Passei por muitas e variadas fases. Passei pela fase de ficar triste, por ver os meus colegas de escola a prepararem presentes para este dia e falarem dele com alegria. Passei pela fase da revolta, por não perceber a mãe que (não) tinha. Passei pela fase da pseudo-indeferença, em que me convencia a mim mesma que este dia não interessava nada e era um disparate.
Aprendi, a duras penas, que ser mãe não significa nada. Mãe não é mãe. Deve ser dos clichés que mais me irrita. Deve ser das coisas que fez mais pela minha tolerância perante os outros. As relações familiares de nada valem. Nada dizem. Nada significam. Deixei de criticar os outros no que às relações diz respeito e sigo a velha máxima "cada um sabe de si".
Passei muitos anos a tentar aprender a lidar com isto. Com esta não-relação. Com este desapego. Com este sentimento contra-natura (ou apenas contra o que nos ensinaram que era natural). Sei que ainda me faltam alguns anos de terapia para ter este assunto inteiramente resolvido, mas estou melhor. Bem melhor.
E estou melhor também porque aprendi que o estatuto de mãe se adquire. Se conquista. Se merece. Ser mãe não é um estatuto conferido por uma certidão de nascimento. Ser mãe é um estatuto que se consegue por se ser mãe (passo a redundância): consegue ser mãe quem se preocupa, quem cuida, quem protege, quem chora, quem ri, quem dá palmadas, quem dá abraços, quem consola, quem ralha. No conceito de ser mãe, o que verdadeiramente importa é o ser. O fazer.
E isso, a vida deu-me. A vida deu-me a minha boadrasta. Tarde na vida. Mas ainda a tempo. A tempo de me mostrar o que é isso da relação mãe e filha. Uma relação de momentos bons e maus. Uma relação de partilha, de confiança, de respeito. Uma relação em que ralhamos, refilamos, apontamos o dedo, com a confiança e a intimidade de quem tem sangue do mesmo sangue. Uma relação em que sorrimos, rimos, partilhamos vitórias e alegrias, com a confiança e a intimidade de quem tem sangue do mesmo sangue.
Uma mulher não é mãe por dar à luz. Uma mulher é mãe se, apenas e só, se fizer mãe.